Opinião

Velório de João Doria não tem dia nem hora marcada para acabar

Por: Ricardo Noblat

Político só tem compromisso com voto

Pablo Jacob /Governo de São Paulo/Divulgação

Dependia exclusivamente de João Doria governar São Paulo até o último dia deste ano, candidatando-se ou não à reeleição. Embora escolhido pelo PSDB para disputar a presidência da República, sua candidatura não dependia dele, mas dos votos que pudesse atrair.

Não governará mais São Paulo a partir de amanhã, e em breve deixará de ser candidato a presidente. Não vale uma nota de três reais a carta que ele recebeu de Bruno Araújo, presidente nacional do PSDB, assegurando-lhe a candidatura a presidente.

E Doria sabe muito bem disso, mas não tem o que fazer. Só lhe resta esperar o dia de ir para casa, como quer sua mulher, para nunca mais se meter em política. A fortuna da família está sendo dilapidada, ela disse, e Doria ainda tem filhos para criar.

Será o desfecho melancólico para uma carreira curta, repleta de sucessos, mas cercada de polêmicas. Doria foi do céu ao inferno em pouco tempo. Elegeu-se prefeito no primeiro turno. Sem completar o mandato, elegeu-se governador no segundo turno.

Ganhou a má fama de ter traído os que o apoiaram, entre eles os governadores Geraldo Alckmin e Márcio França, e de pôr seu marketing pessoal acima de tudo e de todos. Seu governo é mais bem avaliado do que ele mesmo. Não caiu no gosto dos paulistas.

Disse Doria que tratou-se de “estratégia” o que ele fez nas últimas 48 horas. Não foi. Ele surtou. Mas se fosse, deu errado. Ele denunciou um golpe em marcha para subtrair-lhe a condição de candidato do PSDB à vaga de Bolsonaro, e reagiu ao seu modo.

O golpe existe e não foi abortado. Deve culminar com a candidatura do ex-governador gaúcho Eduardo Leite a presidente com o apoio da natimorta terceira via. Doria suspeita que parte dos que o cercam tramavam também contra ele. Daí sua revolta.

Na noite da quarta-feira (30), ele tentou dar um contragolpe. Comunicou aos mais próximos que ficaria no governo para concorrer à reeleição. Há décadas que o Palácio dos Bandeirantes não era palco de uma crise como a que se abriu em seguida.

O vice-governador Rodrigo Garcia, escolhido por Doria para sucedê-lo, deu-lhe um ultimato: ou recuava, ou ele se filiaria a outro partido para disputar o governo. O presidente da Assembleia Legislativa ameaçou Doria com um processo de impeachment.

Os assessores de maior confiança de Doria o procuraram para dizer que não contasse mais com eles. Doria tinha uma reunião marcada para ontem com mais de 600 prefeitos. A maioria deles ameaçou não comparecer. O suspense durou até o fim.

Araújo fez a carta por encomenda de Garcia. Faltando meia hora para que Doria falasse em público, ainda não se sabia o que ele diria. Ele leu um discurso sobre as realizações do seu governo, para só no fim anunciar que continua candidato a presidente.

Garcia, prefeitos, parlamentares e amigos de Doria respiraram aliviados. Em Porto Alegre, Leite reafirmou sua disposição “de servir ao país” da melhor forma possível. O velório de Doria não tem dia nem hora para acabar. Pouca gente chorará por ele.

 

Ricardo José Delgado Noblat é jornalista, formado pela Universidade Católica de Pernambuco, Noblat foi editor-chefe do Correio Braziliense e da sucursal do Jornal do Brasil em Brasília. Atualmente, Noblat mantém um blog, o Blog do Noblat, no jornal Metrópoles.

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