Opinião

Um bolsonarista rasgou a Constituição e ficou por isso mesmo

Liberdade de expressão é tudo o que beneficia o presidente e o seu vice

Por Ricardo Noblat

Senado Federal/ Reprodução

Quando em 1995 o bispo Von Helde, da Universal do Reino de Deus, chutou uma imagem de Nossa Senhora Aparecida em culto transmitido pela TV Record, o mundo desabou em sua cabeça.

Desautorizado pelo dono da Universal, condenado a 2 anos e 2 meses de prisão por discriminação religiosa e vilipêndio a imagem religiosa, ele acabou deixando o Brasil.

Na condição de bispo avulso, voltou ao país em outubro do ano passado e, em vídeo postado nas redes sociais, atacou o Dia de Nossa Senhora Aparecida. Não produziu o barulho que esperava.

Talvez porque entre o primeiro e o segundo episódio, em janeiro de 2017, uma pastora de Botucatu, interior de São Paulo, tenha destruído impunemente uma imagem da Senhora Aparecida.

No último domingo, Dia do Trabalhador, um bolsonarista gaúcho foi filmado no meio da rua rasgando um exemplar da Constituição. Não foi preso nem denunciado. Nenhuma autoridade o censurou.

Bolsonaro, que diz jogar dentro das quatro linhas da Constituição, poderia ter dado o bom exemplo de orientar seu seguidor a nunca mais agir assim. Não o fez. Deve andar muito ocupado.

O vice-presidente Hamilton Mourão, ao chegar, ontem, ao Palácio do Planalto, disse que pedidos de volta da ditadura militar e ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) são coisas normais:

 “Isso é liberdade de expressão. Tem gente que quer isso, mas a imensa maioria do povo não quer. Normal”.

O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, discorda:

“Há um limite em que a liberdade de expressão se transforma em um risco para a integridade das pessoas e das instituições. Nessa hora, ela precisa ser ponderada com outros valores”.

O pastor Von Helde poderia alegar que o chute dado na imagem de Nossa Senhora Aparecida foi um ato de liberdade de expressão, mas, à época, nem Bolsonaro nem Mourão eram o que são hoje.

A pastora de Botucatu, que destruiu a marteladas uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, disse que o fez porque imagens não devem ser reverenciadas. Liberdade de expressão, por que não?

O ministro Barroso sentiu-se obrigado a desmentir notícias distribuídas por bolsonaristas nas redes sociais que dizem que ele é dado a participar de orgias, e que participou de uma em Cuba.

Sua imagem foi atingida por notícias falsas. Não há reparação para o que aconteceu. Os autores das notícias usam pseudônimos para esconder a identidade. Os robôs se encarregam de espalhá-las.

Bolsonaro e Mourão não são inteiramente burros. Reagem quando a imagem das Forças Armadas é alvo de críticas mais duras. Nessa hora, não falam de “liberdade de expressão”.

A democracia como regime político é uma cláusula pétrea da Constituição. Significa que ela não pode ser trocada por nenhuma outra forma de governança. Atacá-la, portanto, é crime.

Ricardo José Delgado Noblat é jornalista, formado pela Universidade Católica de Pernambuco, Noblat foi editor-chefe do Correio Braziliense e da sucursal do Jornal do Brasil em Brasília. Atualmente, Noblat mantém um blog, o Blog do Noblat, no jornal Metrópoles.

 

 

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