Opinião

Tiro no coração do Brasil

Por Cristovam Buarque

Há décadas os eleitos e os eleitores não reagem diante dos claros sinais de decadência da educação brasileira e das consequências que esta tragédia provocará sobre a economia e a sociedade: baixa produtividade, pobreza, violência, estagnação cultural, atraso civilizatório. O maior sinal é o abandono escolar por 50% de nossos adolescentes antes da conclusão do ensino médio, e a constatação de que a metade dos que terminam são “analfabetos para a contemporaneidade”: não são fluentes em idiomas estrangeiros, não sabem usar as ferramentas do mundo moderno, não adquirem um ofício profissional que lhes assegure emprego e renda, não estão preparados para aprender novos conhecimentos que o mundo exige a cada novo momento.

A tragédia da educação é resultado do descuido com nossas escolas. Os professores são tão desprezados que parte deles próprios perderam motivação para o desempenho eficiente do magistério, até porque as escolas não lhes dão as condições necessárias: ainda temos milhares sem água ou luz e dezenas de milhares sem equipamentos modernos de computação e teleinformática, os prédios são decadentes, os móveis feios e desconfortáveis, com manutenção precária. O conteúdo ensinado não atende aos gostos dos alunos, nem parecem ter impacto na vida futura deles. Ao lado deste sistema precário que atende a quase totalidade de nossas 50 milhões de crianças, um pequeno grupo de escolas a custos elevadíssimos oferece uma educação melhor, mas desnudam a outra triste face da educação: a desigualdade conforme a renda e o endereço da família.

Sem qualidade e equidade, o sistema educacional brasileiro mostra sua tragédia social ao desperdiçar nossos cérebros deixados para trás por evasão ou aprovação em estudos, e a tragédia pessoal em atos de violência entre alunos ou contra professores, e até as bárbaras cenas de chacina. Nestes momentos, o país desperta, as famílias se assustam, as crianças se traumatizam, o governo procura demonstrar ativismo, mas todos pensam em como evitar a violência contra pessoas, e continuam dormindo diante da violência do dia a dia contra o país e sua população. Violência que não mata indivíduos com balas ou facas, mas condena o futuro de milhões de crianças e do país inteiro.

O descuído com a educação é tão grande, que o assombro não desperta para a tragédia educacional, não provoca mudar a escola, apenas colocar polícia nela. O problema sai da educação e vai para o Ministério da Justiça. O governo federal nem ao menos tem um ministério voltado para a educação de base, que cuide das crianças. A tragédia não desperta o Brasil para adotar as escolas, valorizar e prestigiar aos professores, fazer com que os prédios escolares sejam os mais bonitos e confortáveis do setor público, tanto quanto os palácios da justiça, do poder legislativo, do governador ou do presidente, cada escola um Palácio da Educação. Seus equipamentos modernos sejam capazes de oferecer eficiência pedagógica e atender ao gosto dos alunos nascidos no mundo digital, querendo uma escola cinematográfica, onde o aluno fique o dia inteiro até os 18 anos de idade, não mais “escolas senzala”.

Ao lado destas condições, oferecer ensino que os alunos reconheçam como mapas para que tenham sucesso na vida e facilite a conquista de sua felicidade. Tornar a escola sagrada aos olhos de todos os brasileiros, tratando os alunos com o mesmo cuidado e mesmo ensino, independente da renda e do endereço da família. Este seria o caminho para evitar a violência constante e diária.

Mas isto exige despertar o Brasil para a tragédia menos dramática do que a sentida pelos familiares de crianças ou professores violentados e até assassinados no presente, mas não menos grave para o futuro, do que os tiros que há décadas damos no coração do Brasil, incinerando os cérebros das crianças que construiriam o futuro.

Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador

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