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Releitura de bravura indômita está entre os dez melhores filmes na netflix

POR GIANCARLO GALDINO

Ainda que não tivesse nenhuma qualidade digna de nota, a releitura de “Bravura Indômita” feita por Ethan e Joel Coen em 2010 já seria louvável por recordar a trama dirigida por Henry Hathaway (1898-1985) em 1969 — e mais ainda por reviver no público o espírito aristocrático de John Wayne (1907-1979) e nos lembrar que já não se fazem mais caubóis como antigamente. A propósito, foi justamente por seu Rooster Cogburn que o Duque ganhou o Oscar de Melhor Ator, em 1970, o único de sua carreira de espantosos 142 filmes ao longo de 49 anos.

Ninguém jamais chegará aos pés de Wayne, um gigante de 1,93 de altura e mais de cem quilos, que literalmente incorporou o herói do romance homônimo de Charles Portis (1933-2020), publicado em 1952 — e Jeff Bridges, sem dúvida um ator talentoso (e experimentado) o sabia. Bridges é capaz de façanhas como dar alguma graça a um tipo desenxabido como Gregory Larkin, um solteirão esquisito que decide transferir seu celibato patológico para o casamento com a personagem de Barbra Streisand — não por acaso a diretora do longa — no igualmente sensaborão “O Espelho Tem Duas Faces” (1996), e inspirar sentimentos controversos como admiração e pena, a exemplo do que fez com o xerife Marcus Hamilton em “A Qualquer Custo” (2017), de David Mackenzie. É claro que mesmo Jeff Bridges erra algumas vezes (da mesma forma que Wayne) — caso de “O Grande Lebowski” (1998), curiosamente também dirigido pelos Coen, em que deu vida a um personagem que incorporava seu primeiro nome ao sobrenome do personagem-título. Mas isso fica para uma próxima.

O desempenho de Bridges não se igualou ao de seu antecessor, o que pode ser comprovado por métodos cartesianos: Wayne levou; o protagonista da versão de quatro décadas depois ficou só na vontade, ainda que pudesse ter chegado lá. Além da indicação de Jeff Bridges a Melhor Ator, “Bravura Indômita” foi nomeado a outras categorias, entre as quais as de Melhor Filme e Melhor Diretor. Como todo mundo já sabe, Cogburn é o velho farrista de sempre, rescendendo a uísque barato e couro, que vê sua vida meio esvaziada de sentido tomar novo fôlego com a chegada de Mattie Ross, a mocinha meio torta de Hailee Steinfeld, que lhe suplica para que ele a ajude a botar as mãos em Thomas “Tom” Chaney, interpretado por Josh Brolin, o assassino cruel de seu pai.

Se Bridges tem as dificuldades já esperadas para ressuscitar Wayne, Steinfeld consegue mesmo superar a performance de Kim Darby, o que não é pouco. A diferença entre as duas quando da estreia das respectivas produções que estrelaram, em 1969 e 2010, é de oito anos a favor de Darby, e no filme de Ethan e Joel Coen Mattie ganha, ou melhor, conquista muito mais espaço, não se sabe se intencionalmente ou não. Sua dosagem de uma fúria contida que não vê a hora de extravasar com a meiguice, inescapável numa menina no meio da adolescência, sozinha, carecendo de todas as atenções, é incomum até em atores de vasta quilometragem. O grande acerto do “Bravura Indômita” deste século é manter a trama muito bem estruturada sobre a sede quase doentia de Mattie por vingança, sua natureza de bicho selvagem, criada no vale-tudo do Velho Oeste de 1878, mas que sabe distinguir o bem do mal perfeitamente. Tanto que não permite que Cogburn, o galo de briga mais famoso daquelas cercanias, cante em seu terreiro: ela lhe paga tudo o que ele lhe pede, mas não admite ficar como todas as outras donzelas daquela época, ansiando por notícias — até porque desconfia de que Cogburn quer mesmo é lhe passar a perna e sumir com seu dinheiro. Gata escaldada tem medo de água quente.

A participação de Matt Damon, como LaBoeuf, um homem do Texas Ranger, destacamento de elite da polícia americana fundado em 1823, designado a capturar Chaney, passa a integrar a comitiva de Cogburn, o que, como em 1969, dá azo a conflitos interessantes com o caçador de recompensas. Damon leva seu LaBoeuf para regiões mais pantanosas, tirando dele o respiro cômico do personagem original, encarnado por Glen Campbell (1936-2017) e conferindo-lhe tintas muito mais carregadas. A rixa entre ele e o mocinho de Bridges se exacerba em dados momentos, mas como no filme em que foi inspirado, o LaBoeuf de Matt Damon é alguém em quem Cogburn e Mattie podem confiar. Outra composição que merece um olhar atento é a de Barry Pepper como Lucky Ned Pepper, vivido por Robert Duvall em 1969. Chefe de uma quadrilha de bandoleiros que rivalizam com Tom Chaney, Pepper acaba levando a pior no embate com o antagonista, uma prova de que a vida para os fora-da-lei pode ser duplamente inglória.

O esmero de Ethan e Joel Coen em preservar a aura de obra-prima de “Bravura Indômita”, também observando aspectos técnicos, como a bela fotografia do mestre Roger Deakins, reacende uma chama. Os Estados Unidos não se tornaram a potência que ainda serão por muito tempo à toa. Foram necessários muitos Roosters Cogburns — e apenas um John Wayne.

GIANCARLO GALDINO É graduado em Arte e Mídia pela Universidade Federal de Campina Grande (2007). Tem experiência na área de Comunicação e Artes, com ênfase em Arte multimídia, atuando principalmente nas áreas de produção de áudio e vídeo.No mestrado, pesquisou a produção da música independente na Paraíba, focalizando os grupos influenciados pela “nova onda regionalista” a partir dos anos 90, no âmbito do programa de pós- graduação em ciencias sociais – PPGCS da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. Tem interesse por arranjos produtivos de cultura, mídia e consumo.

 

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