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Primeiro ato da greve dos caminhoneiros teve pedradas e balas de borracha

A Toyota Hilux estaciona ao lado do terreno baldio e o motorista enche a caçamba de pedras. Trabalha sob olhares de aprovação dos homens parados na frente do Espeto Muvuca’s, no centro de Baureri (SP). Terminado o serviço, o líder avisa: “Vai começar”.

São 5h12 da madrugada e eles partem para fechar a rodovia Castello Branco. Será o primeiro ato da paralisação dos caminhoneiros na região metropolitana de São Paulo. O líder também tem um Hilux e, assim que dá partida no motor, liga para um companheiro. “Pega as faixas e leva para o posto do Gugu”.

O comboio tem uma dúzia de veículos, entre carros, vans e ônibus escolares. Passam somente 10 minutos e as pedras que estavam na caçamba da caminhonete estalam na carroceria de caminhões que rodam pela estrada.

São atiradas do acostamento por quatro homens protegidos pela noite. A atitude tem violência e um fim. Os grupos de WhatsApp de caminhoneiros replicam a informação e todos que virem um ato de greve sabem que terão de encostar.

A atividade é interrompida de repente. Uma luz avermelhada no outro lado da rodovia faz um grevista alertar. “Os homens [PM] estão ali.” O movimento da estrada serve de escudo e há tempo de sobra para a fuga. A viatura vai embora.

O comandante do grupo decide bloquear a Castello Branco no sentido interior-São Paulo e eles atravessam uma passarela para mudar de lado. Mas liderar pessoas para o asfalto de uma estrada de quatro faixas e cheia de veículos em alta velocidade seria suicídio coletivo.

O grupo de 20 homens trabalha em conjunto com motoristas que trafegam pela rodovia. Eles vão diminuindo a velocidade conforme se aproximam do trecho que passa em frente ao posto do Gugu. O WhatsApp trabalha porque a comunicação intensa permite sincronia. Quando os motoristas que amarram o tráfego estão perto, as pedras voltam a acertar a lataria dos caminhões.

Parece que o plano vai dar certo, mas uma viatura da Polícia Militar estaciona no acostamento a poucos metros do grupo. O líder grita: “Bora, bora! Não tem que ter medo”. Ninguém recua, mas os homens abrem as mãos, deixando as pedras caírem. Não querem flagrante.

Adesão forçada

Os dois lados se encaram com falsa cordialidade. As intenções de fechamento da Castello Branco são conhecidas pelos policiais militares. Os grevistas não recuam e vão testar a disposição dos policiais em instantes. Os veículos que amarravam o trânsito praticamente param sobre o asfalto na frente do posto. Os grevistas aproveitam e avançam para a rodovia, abrindo as faixas. Descobrem que os PMs estavam resolutos.

Um cabo aponta a espingarda e a bala de borracha come. Grevistas pulam a mureta na direção do mato ao lado da pista e os caminhoneiros são obrigados a arrancar e ir embora. Outra viatura chega e o acostamento da rodovia estadual vira uma guerra fria.

O impasse não dura muito. Um oficial chega e conversa com os homens que tentam fechar a rodovia. É feito um acordo. Os grevistas querem uma manifestação no local e depois caminhar até uma instalação da Petrobras, na altura do km 19,5.

Recebem autorização para usar duas faixas à direita e liberar as outras duas para a passagem de carros e ônibus. Os caminhoneiros podem escolher se param ou seguem viagem.

Não enche os dedos da mãos a lista de quem continua. A adesão se dá por concordância com a greve e por pressão. Os poucos motoristas que seguiram viagem descobriram que havia um grupo armado com pedras, mais à frente, sem pudor de acertar os vidros dos caminhões.

A rodovia Castello Branco fica fechada das 5h58 às 6h42. Tráfego parado por tanto tempo na chegada a São Paulo é certeza de congestionamento. A via liberada refresca, mas não acaba com a fila, que se mantém por 4 quilômetros. Os caminhoneiros seguem em caminhada até a Petrobras.

O preço do diesel é uma das principais reivindicações dos caminhoneiros

Mesma tática de 2018

Claudinei Habacuque é responsável pelo planejamento. A estratégia é repetir o que aconteceu em 2018. Mais uma vez a saída de caminhões-tanque da Petrobras foi bloqueada. Os grevistas não estão deixando os caminhoneiros carregarem. A PM está na portaria, mas só observa. O mesmo vai acontecer com Ipiranga e Shell. A ideia é fazer como o felino que ataca a presa apertando a garganta e interrompendo o fluxo de ar.

Os grevistas esperam acabar com o fornecimento de combustível e mais uma vez parar o Brasil, se não obtiverem o que desejam. As pedradas e a caminhada pela Castello Branco servem como mensagem aos demais caminhoneiros e a população sobre o começo da paralisação. Um aviso para estarem prontos.

“O movimento é por tempo indeterminado. Da outra vez [2018], era para ser meia hora e durou 11 dias”, diz Habacuque.

 

Greve foi politizada; grupo ignora demandas nacionais e critica Doria

O grupo que ele coordena é partidário do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). As faixas que carregam têm críticas ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e reivindicações que não estão na pauta nacional dos caminhoneiros.

“Nossa reivindicação é por redução do ICMS, porque faz a economia girar, e contra os pedágios abusivos. Também somos pela volta ao trabalho, ninguém aguenta mais ficar em casa.”

São pedidos que isentam o presidente de agir, mas a pauta nacional do movimento tem o preço do óleo diesel e a tabela do frete como itens prioritários.

Outra mudança em relação a 2018 é a vontade de adesão dos caminhoneiros. Na noite de domingo (31), muitos motoristas não queriam greve, mesmo com vazamento de um áudio ofensivo do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas. Havia até torcida para policiais “sentarem o pau” nos grevistas.

Juliano Pontes, 30, transporta carne do Paraná para o Nordeste e reclamava que a paralisação é boa somente para grandes empresários do setor.

“Sou contra porque só serve para rico, para dono de empresa transportadora. É tudo um jogo político que é jogado nas costas dos motoristas.”

Marcos Vilanova Salina, 47, e Igor Fabiano, 22, levam carne de Campo Grande (MS) para São Paulo e voltam com verduras. Ambos não querem paralisação porque veem resultados mínimos. Mas, pelo bem do para-brisas de seus caminhões, vão parar se a paralisação durar.

“Não tem como não fazer greve. Cara fala que você não vai sair para a estrada, e você não sai. Deixa o caminhão parado.” O destino da greve é algo que não se pode prever, mas o passo inicial foi dado com pedradas, bala de borracha e politização.

Felipe Pereira

Do TAB

 

 

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