Opinião

Por mais política e menos birra

Negociação entre governo e Congresso serviu para reforçar que soluções para temas complexos são essencialmente políticas

Por Mary Zaidan

A sessão do Congresso Nacional da quinta-feira, dia 9, poderia ser considerada histórica. Não pelo conteúdo das matérias votadas, parte delas para lá de polêmicas, como a indecente retomada das emendas para deputados e senadores. Mas por se fazer política, algo cada vez mais raro entre divergentes mesmo nos ambientes onde a prática deveria ser obrigatória.

Foram apreciados vetos do presidente Lula fadados à derrubada, que acabou sendo apenas parcial. Lula, que havia rejeitado dar R$ 5,6 bilhões adicionais em emendas aos parlamentares, acabou topando distribuir R$ 3,6 bilhões, dois terços para a Câmara e um terço para o Senado. O governo ia perder tudo, mas manteve parcela dos vetos à chamada Lei do Veneno, relativa aos agrotóxicos, e conseguiu adiar a votação do veto sobre o fim da saída temporária de presos em regime semiaberto. Em resumo: concessões de ambos os lados garantiram resultados sem vencidos ou derrotados.

Em outro acordo se restabeleceu a desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia, suspensa por liminar do ministro Cristiano Zanin depois de o governo, derrotado no Parlamento em dezembro do ano passado, apelar à Suprema Corte pela inconstitucionalidade da lei. Nesse caso, as negociações deverão envolver o STF, que terá de fazer vistas grossas ao fato de não haver previsão legal de recursos para a criação de despesas, algo proibido pela Carta.

A catástrofe que se abateu sobre o Rio Grande do Sul, impondo urgência para a votação do decreto de calamidade pública, que permite exceções nas regras fiscais e de procedimentos burocráticos para atender às vítimas e reconstruir o Estado, foi definitiva para que Executivo e Legislativo começassem a agir como adultos.

A consequência foi a suspensão, ainda que temporária, da rixa entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em permanente digladio, e de ambos com o governo, que, por sua vez, os atiça. Na quarta-feira, 8, votou-se o decreto de Lula para os gaúchos e no dia seguinte parte dos vetos, que, por travarem a pauta, impedem a apreciação de outras matérias. No mínimo, ficou demonstrado que birras são superáveis.

Provou-se ainda que se políticos não são santos, nem sempre são demônios, embora na maioria das vezes encarnem os dois papéis.

Tido como o capeta, Lira tem falado grosso com Lula, chamou um de seus auxiliares de incompetente e regeu algumas derrotas do governo na Câmara. Mas até o final do ano passado era o melhor interlocutor do ministro da Fazenda Fernando Haddad, com quem negociou a aprovação da reforma tributária e o novo arcabouço fiscal. Na linha inversa, o até pouco tempo bem comportado Pacheco tem incorporado o diabo. Bancou a aprovação do fim da saidinha dos presos, cujo veto de Lula deve ser apreciado dia 28, e a ressurreição do quinquênio para os já privilegiados membros da Justiça e do Ministério Público. Se vingar a tese, rejeitada por 76% da população segundo recente pesquisa Genial/Quest, ela pode custar entre R$ 1,8 bilhão, caso fique limitada aos magistrados e ao MP, a R$ 81 bilhões, aplicados o efeito cascata nas carreiras semelhantes.

A insistência de Pacheco nessa absurda regalia, assim como a ameaça do PL do ex Jair Bolsonaro de condicionar apoio a votações e às eleições dos presidentes da Câmara e do Senado no próximo ano à anistia do capitão e sua turma, parecem indicar que a maturidade colhida na semana passada vai durar pouco.

Tanto a Câmara quanto o Senado devem retomar a fervura até o final do semestre, data limite para que parlamentares possam fazer gracinhas com o chapéu alheio para prefeitos aliados. Por óbvio, a gastança deve aumentar. O mesmo deve se ver no Planalto, que corre com anúncios de obras em benefício de seus candidatos. São os efeitos recorrentes em todos os períodos pré-eleitorais. Afinal, como dizia a ex Dilma Rousseff, pupila de Lula, para ganhar eleição se faz o diabo.

Assim sendo, cabe comemorar quando políticos fazem política. Ainda que se trate de exceção à regra.

Mary Zaidan é jornalista 

 

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