Roteiros

O salto do frade

Peruano pula todos os dias de um penhasco para encenar a lenda de um suicídio por amor

Ali onde o Oceano Pacífico faz a curva, e as ondas arrebentam com força nas rochas produzindo um chuvisco de água salgada, o frade peruano Fernando Canchari Vásquez fixa os pés na ponta de uma pedra e desafia o mar. Vestido com a túnica marrom de um franciscano, o capuz cobrindo o semblante e uma corda amarrada na cintura, ele acena para o horizonte duas vezes antes de fixar os olhos no movimento da água. O céu está cinza como a tristeza, e um vento gelado provoca arrepios nos turistas que se reuniram para assistir ao estranho ritual. O frade espera o melhor momento para saltar. Cerca de doze metros o separam do mar gélido e revolto. Se errar o local da queda, ele pode se chocar e morrer.

Fernando pula todos os dias de um penhasco para encenar a lenda de um suicídio por amor. Faz isso a 29 anos, quando interrogado porque, a primeira resposta é necessidade. Em um verão, o frade já chegou a pular do penhasco 39 vezes no mesmo dia, todos esses anos ele nunca deixou de comparecer, nem quando está doente.

Conhecido na região apenas como El Fraile, Fernando conta que ainda pequeno conheceu o mar brincando com os amigos do distrito. Aprendeu a fugir das correntes que te levam para longe e a desviar das pedras que habitam as praias de areia cinza do litoral peruano. Já havia nessa época, início dos anos 90, o costume de pescadores da região saltarem do penhasco para divertir turistas.

Em um domingo de fevereiro de 2014, enquanto descansava após um salto, o frade ouviu banhistas chamando por ele. Uma onda havia se chocado contra a rocha e arrastado um garoto de nove anos para a turbulência do mar. Sua mãe, uma peruana chamada Karin Tapayuri, instintivamente pulou para tentar resgatá-lo. Ela estava grávida de oito meses, segundo os jornais que registraram o resgate. O frade não hesitou e saltou, dessa vez sem cordas, para tentar salvar mãe e filho. Outros banhistas fizeram o mesmo. Depois de alguns minutos de tensão, os dois foram içados do oceano e levados ao hospital sem ferimentos graves.  O frei Fernando continua saltando ao mar do alto da pedra onde o Pacífico faz a curva e divertindo os turistas, apesar dedos dos seus 49 anos.

Fonte: Adriano Wilkson/JC Garcia

 

 

 

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