Opinião

Novo golpe destinado ao fracasso, desta vez contra a Justiça

Ameaça à independência dos Poderes da República

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 50/2023, protocolada na Câmara dos Deputados no fim de setembro último, é filha legítima da Constituição do Estado Novo, o período mais brutal da ditadura de Getúlio Vargas, que se estendeu de 1937 a 1945. Em seguida, um golpe militar derrubou Vargas.

De autoria do deputado bolsonarista Domingos Sávio (PL-MG), a PEC altera o artigo 49 da atual Constituição para permitir ao Congresso, mediante maioria de três quintos nas duas Casas, “sustar decisão do Supremo Tribunal Federal que tenha transitado em julgado e que extrapole os limites constitucionais”.

Que limites seriam esses? O que o Congresso, ao seu gosto, julgue que são. Dito de outra maneira: a cada vez que os interesses de deputados e senadores fossem contrariados. Mas a última palavra sobre a aplicação de leis não cabe ao Supremo? Hoje, sim. Mas passaria a caber ao Congresso se a PEC for aprovada. Que tal?

A Constituição do Estado Novo estabelecia a possibilidade de o presidente da República submeter decisões do Supremo que não lhe agradassem a um Congresso sob seu controle, e elas poderiam ser derrubadas por maioria de dois terços. Assim acreditava legalizar os atos arbitrários do Poder Executivo.

Ao Supremo, e somente a ele, segundo a Constituição promulgada em outubro de 1988, compete o dever de interpretar a constitucionalidade das leis e de decisões da Justiça. Assim como o Judiciário não pode criar leis, o Legislativo não pode aplicar as leis que cria a casos concretos. A cada Poder, o seu papel.

A PEC de Sávio conta com o apoio de 174 parlamentares. O gatilho que a disparou foi a insatisfação de parte do Congresso com a decisão do Supremo que rejeitou o marco temporal da demarcação das terras indígenas, e a discussão que ali se trava em torno do aborto e da descriminalização do porte de drogas para uso pessoal.

Para que seja aprovada e passe a valer, a PEC inspirada na Constituição da ditadura de Vargas precisa atrair na Câmara o voto de 308 deputados de um total de 513, e no Senado de 49 de um total de 81 senadores. É possível que atraia? Possível, é, porque este é o Congresso mais conservador desde o fim da ditadura.

Mas não é provável que atraia. De resto, o Supremo poderá julgar que a PEC é inconstitucional. Foi o que correu a declarar, com a suposta anuência dos seus antigos pares, o ministro aposentado do Supremo Celso de Mello:

“A PEC 50/2023, ao atribuir ao Congresso Nacional o poder de superação legislativa dos julgamentos realizados pelo Supremo Tribunal Federal, além de incidir em grave retrocesso histórico, por reproduzir o espírito autocrático que inspirou medida ditatorial semelhante imposta pela Carta Política do Estado Novo de Getúlio Vargas (art. 96, parágrafo único), subverte o dogma da separação de poderes, eis que converte o Poder Legislativo em anômala (e inadmissível) instância de revisão das decisões ‘transitadas em julgado’ proferidas pelo STF.”

Ricardo Noblat é jornalista

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