Opinião

Na arca de Lula há lugar para todos, menos para Bolsonaro, por ora…

Para desarmar os espíritos

De Lula foi dito, e ainda se diz, que montou um governo sem ceder espaço a representantes das forças de centro que apoiaram sua candidatura a presidente e lhe deram a vitória sobre Bolsonaro. Se não fossem elas, certamente, Lula teria sido derrotado. Sem dúvida.

Governo algum é para todo um mandato. Não foi o primeiro de Lula, não foi o segundo, e muito menos está sendo este que enfrenta o Congresso mais reacionário desde o fim da ditadura militar de 64, mais empoderado e mais faminto por dinheiro.

O centro liberal faz parte do Lula 3, bem como a direita civilizada. Vez em quando lê-se que um servidor do governo Bolsonaro, e reconhecidamente bolsonarista, foi mantido ou nomeado para tal lugar no segundo ou terceiro escalão do governo. Isso é fato.

Não há registro de caça a bolsonaristas dentro da administração pública. Há a natural substituição de nomes quando um governo dá lugar a outro. As Forças Armadas, que elegeram, sustentaram e tentaram reeleger Bolsonaro, não sofreram nenhum expurgo.

De Lula ainda se diz que não se esforça por pacificar o país. Curioso. Tal coisa jamais foi cobrada a Bolsonaro. Vai ver era a certeza de que ele não se elegeu com tal propósito. Lula é um conciliador por excelência, e assim sempre foi ao longo de sua vida.

Deposto pela ditadura da presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, no início dos anos 1980, no dia seguinte, às escondidas, negociava com o então ministro do Trabalho um reajuste de salário para seus liderados. Sentia-se em débito com eles.

Romeu Tuma, à época diretor-geral do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), em São Paulo, foi carcereiro de Lula em 1981. Ali nasceu entre os dois uma amizade que os levaria a conviver mais tarde: um como presidente da República, o outro como senador.

Há muito de esperteza em Lula quando ele se reúne com governadores marcadamente adversários políticos seus. Recentemente, esteve com Tarcísio de Freitas (SP), Claudio Castro (RJ), Ratinho Jr. (PR), e estará, hoje, com Romeu Zema (MG).

Este é um ano de eleições municipais; de alianças, portanto, não importando se o aliado de hoje será o adversário de amanhã, ou vice-versa. Mas há também um empenho sincero de Lula em desarmar os espíritos e restaurar uma maneira mais elegante de fazer política.

Bolsonaro não só se recusava a conversar com quem não pensava como ele: partia para cima. Da única vez que viajou ao Nordeste para encontrar-se com os governadores da região, limitou-se a dizer-lhes um monte de bobagens e despediu-se sem ouvi-los. Foi um espanto.

Não bastasse, impôs uma condição para atender aos pedidos dos governadores que lhe fizessem oposição: que eles falassem que trabalhavam com o presidente. Atrasou a compra de vacinas contra a Covid porque o governador de São Paulo, João Doria, saíra na frente.

Dir-se-á que Lula bate sem dó em Bolsonaro, em desrespeito às regras da antiga cavalaria que ensinavam: uma vez caído o adversário, cessa a peleja. Não se bate em quem está no chão. Mas quem disse que a peleja acabou? E não interessa aos dois que acabe tão cedo.

Na eleição presidencial de 1989, Lula foi chamado de “aborteiro” no programa de propaganda eleitoral de Fernando Collor. Passados alguns anos, Lula o perdoou. Bolsonaro já votou em Lula para presidente e quis indicar seu ministro da Defesa. Quem sabe?

Quem sabe um dia não serão vistos juntos? Por ora, para Bolsonaro, Lula é o ladrão de nove dedos. E, para Lula, Bolsonaro é um aloprado que pregava o ódio, não entendia de nada, deixou morrer 700 mil pessoas durante a pandemia e jamais deveria ter sido presidente.

Ricardo Noblat é jornalista

 

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