Internacional

Jimmy Carter, ex-presidente dos EUA, morre aos 100 anos

Democrata saiu de uma pequena cidade na Geórgia para a Casa Branca e governou o país por apenas um mandato, época em que se opôs frontalmente à ditadura militar brasileira. Após deixar Washington, se tornou um ícone da luta por direitos humanos e pela democracia, sendo agraciado com o Prêmio Nobel da Paz.

 

Jimmy Carter durante anúncio de sanções ao Irã, em 1980 — Foto: Marion S. Trikosko/Biblioteca do Congresso dos EUA/Via Reuters

Jimmy Carter durante anúncio de sanções ao Irã, em 1980 — Foto: Marion S. Trikosko/Biblioteca do Congresso dos EUA/Via Reuters

Morreu neste domingo (29) aos 100 anos Jimmy Carter, presidente dos EUA entre 1977 e 1981, em sua casa, em Plains, Geórgia, a mesma cidade onde nasceu.

“Meu pai foi um herói, não só para mim, mas para todos que acreditam na paz, nos direitos humanos e no amor altruísta”, disse seu filho, Chip Carter, em um comunicado.

 

“Meus irmãos, minha irmã e eu o compartilhamos com o mundo por meio dessas crenças comuns. O mundo é nossa família pela maneira como ele uniu as pessoas, e agradecemos por honrar sua memória continuando a viver essas crenças compartilhadas.”

Na Casa Branca, Carter foi crítico a ditaduras latino-americanas, como as de Pinochet, no Chile, e à ditadura militar no Brasil.

Carter estava sob cuidados paliativos em sua casa, desde fevereiro de 2023. A causa da morte não foi i ediatamente informada. A fundação que leva seu nome disse que haverá homenagens nas cidades de Atlanta e Washington, além de Plains; ainda não há informações sobre o funeral.

O político, filiado ao Partido Democrata, foi senador e governador do estado da Geórgia antes de chegar à Presidência, marcada por uma grave crise econômica e esforços de paz em todo o mundo.

Uma disputa diplomática com o Irã resultou no sequestro de 52 americanos na embaixada em Teerã em 1979. Os reféns só foram soltos 444 dias depois, já na gestão do presidente Reagan, e o caso manchou a reputação de Carter, criticado por lidar de forma desastrosa com o evento.

Ele continuou atuando politicamente por meio da Fundação Carter, criada por ele em 1982, e organizou missões diplomáticas pelo mundo. Após sair da Casa Branca, foi reconhecido como ícone na luta pelos direitos humanos e pela democracia.

Ele ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 2002 em reconhecimento ao seu “esforço incansável para encontrar soluções pacíficas para conflitos internacionais, impulsionar a democracia e os direitos humanos e promover o desenvolvimento econômico e social”.

Centenário, Carter viveu mais do que qualquer outro ex-presidente na história dos EUA.

“Tive uma vida maravilhosa”, disse Carter a repórteres em Atlanta em 2015. “Tive milhares de amigos. E tive uma existência emocionante, aventureira e gratificante.”

Carter escreveu mais de duas dezenas de livros, desde um livro de memórias presidenciais a um livro infantil e poesia, além de obras sobre fé religiosa e diplomacia. Seu livro “Faith: A Journey for All” (fé: uma jornada para todos) foi publicado em 2018.

Vida

 

James Earl “Jimmy” Carter Junior nasceu em 1º de outubro de 1924 na pequena cidade rural de Plains, no estado da Geórgia. Seu pai era um fazendeiro e homem de negócios e sua mãe, uma enfermeira.

Ele fez o ensino básico em um escola pública local e passou pela Faculdade do Sudoeste da Geórgia e pelo Instituto de Tecnologia do estado antes de se formar bacharel em Ciência, em 1946, pela Academia Naval dos Estados Unidos.

Também em 1946, ele se casou com a futura primeira-dama Rosalynn Smith, de sua cidade natal.

Ex-presidente dos EUA Jimmy Carter em janeiro de 2012. — Foto: Amr Abdallah Dalsh/Reuters

Ex-presidente dos EUA Jimmy Carter em janeiro de 2012. — Foto: Amr Abdallah Dalsh/Reuters

Na Marinha, Carter serviu em submarinos pelos oceanos Atlântico e Pacífico e chegou ao cargo de tenente. Foi escolhido por um superior para entrar no programa de submarinos nucleares e foi enviado para Schenectady, Nova York, onde se formou em tecnologia de reatores e física nuclear.

Após seu pai morrer em 1953, ele saiu da Marinha e voltou para Plains, onde assumiu os negócios da família, que incluíam fazendas e uma empresa de suprimentos rurais.

Vida política

 

O ex-presidente Jimmy Carter e sua esposa Rosalynn, em outubro 2002 — Foto: Tami Chappell/ Reuters

O ex-presidente Jimmy Carter e sua esposa Rosalynn, em outubro 2002 — Foto: Tami Chappell/ Reuters

Jimmy começou a vida política na cidade, servindo como administrador da educação, do hospital e da biblioteca locais e se tornou líder da comunidade e se filiou ao Partido Democrata.

Em 1962, ele ganhou a eleição para o cargo de senador pelo estado da Geórgia, com mandato de dois anos. Carter adquiriu notoriedade por atacar gastos governamentais e por ser contrário a leis que tiravam o direito de votar dos negros. Foi reeleito em 1964.

O político se candidatou para o governo do estado em 1966, mas nem chegou a ganhar as primárias do Partido Democrata. Ele tentou novamente e venceu em 1970 ao apresentar uma plataforma mais conservadora, buscando apoio de defensores da segregação racial. Mas, já no discurso de posse, em 1971, sinalizou para o fim da discriminação racial no estado.

Carter foi governador até 1975, e durante seu mandato promoveu uma reforma administrativa que enxugou o gasto das agências públicas. O aborto foi legalizado — com restrições — no estado em 1973 após decisão da Suprema Corte do país, apesar dele, um batista fervoroso, se opor pessoalmente.

Presidência

 

Presidente Jimmy Carter em coletiva de imprensa em Junho de 1977 — Foto: Biblioteca do Congresso/Thomas J. O'Halloran via Reuters

Presidente Jimmy Carter em coletiva de imprensa em Junho de 1977 — Foto: Biblioteca do Congresso/Thomas J. O’Halloran via Reuters

Em 1974, ainda governador, Jimmy anunciou sua candidatura à presidência para a eleição que seria realizada dois anos mais tarde. Ele ganhou as eleições em 1976 e tornou-se o 39º presidente dos EUA no ano seguinte, servindo até 1981.

“Eu sou Jimmy Carter e estou concorrendo à presidência. Eu nunca vou mentir para você”, prometeu Carter com um sorriso de orelha a orelha, em sua propaganda política, em um momento em que os EUA ainda viviam o rescaldo do escândalo de Watergate.

 

A gestão do presidente foi marcada por uma forte crise econômica e energética no país, um esforço diplomático de paz no resto do mundo e o sequestro de 52 americanos em Teerã por iranianos.

Nos EUA, Carter enfrentou o aumento dos preços da energia, reflexo da crise do petróleo de 1973 e índices altos de inflação, que motivaram a queda da taxa de crescimento do país.

O presidente foi saudado internacionalmente por mediar os Acordos de Camp David, um marco histórico entre Israel e Egito em 1978. Menos unânime foi a decisão de liderar um boicote de vários países às Olimpíadas de 1980, realizadas em Moscou, devido à guerra soviética no Afeganistão.

Em relação ao Brasil, Carter se opôs frontalmente à ditadura militar, então comandada pelo general Ernesto Geisel.

Imagem de momento em que foram firmados os Acordos de Camp David. Anwar Sadat, do Egito (esq.), Jimmy Carter, dos EUA, e Menachem Begin, de Israel, em 1978 — Foto: Fundação Carter/Via Reuters

Imagem de momento em que foram firmados os Acordos de Camp David. Anwar Sadat, do Egito (esq.), Jimmy Carter, dos EUA, e Menachem Begin, de Israel, em 1978 — Foto: Fundação Carter/Via Reuters

Incidente em Teerã

 

Carter cedeu asilo nos EUA a um opositor do aiatolá Khomeini, que acabara de tomar o poder no Irã, o que motivou militantes islâmicos a fazer 52 reféns na embaixada dos EUA em Teerã, em 1979.

O presidente foi criticado pela forma desastrosa como lidou com a situação: após falhar no diálogo diplomático, autorizou uma operação militar sem sucesso que resultou em oito mortes, inclusive a de um civil iraniano.

Carter buscou a reeleição em 1980, mas foi derrotado facilmente pelo republicano Ronald Reagan. Os reféns só foram libertados após a posse de Reagan em 1981, 444 dias após sequestrados.

Questionado sobre sua presidência, Carter disse em um documentário em 1991: “O maior fracasso que tivemos foi um fracasso político. Nunca consegui convencer o povo americano de que eu era um líder forte e enérgico.”

 

Após a presidência

 

Ex-presidente dos EUA, Jimmy Carter, durante encontro em Paris no dia 10 de julho de 2021 — Foto: John Bazemore/AP

Ex-presidente dos EUA, Jimmy Carter, durante encontro em Paris no dia 10 de julho de 2021 — Foto: John Bazemore/AP

Já em 1981, Carter voltou à sua cidade natal e retomou o controle dos negócios familiares. A partir de então, começou a dar aulas.

Em 1982, fundou o Centro Carter, um instituto sem fins lucrativos que “aborda questões nacionais e internacionais de políticas públicas”, nas palavras da entidade.

Carter continuou ativo politicamente por meio da organização e promoveu ações humanitárias em uma série de países como Haiti, Coreia do Sul e nações africanas.

Em 2002, recebeu o Prêmio Nobel da Paz pela promoção de soluções pacíficas em conflitos internacionais.

Profundamente religioso, Carter participava ativamente da escola dominical da Igreja Batista Maranatha e construía casas para pessoas em necessidade, antes de desenvolver problemas de saúde e mobilidade decorrentes da velhice.

“Minha fé exige — isso não é opcional — minha fé exige que eu faça tudo o que puder, onde quer que eu esteja, sempre que puder, pelo maior tempo possível, com o que quer que eu tenha para tentar fazer a diferença”, disse Carter uma vez.

 

Em agosto de 2015, Carter teve um pequeno câncer removido de seu fígado. No ano seguinte, Carter anunciou que não precisava de mais tratamento, pois uma droga experimental havia eliminado qualquer sinal de câncer.

Jimmy e Rosalynn tiveram quatro filhos. Um dos netos, Jason, foi eleito senador da Geórgia pelo Partido Democrata em 2010. Sua mulher morreu em novembro de 2023, aos 96 anos.

Jimmy Carter no Salão Oval da Casa Branca, em Washington, em fevereiro de 1977 — Foto: Biblioteca do Congresso/Marion S. Trikosko via Reuters

Jimmy Carter no Salão Oval da Casa Branca, em Washington, em fevereiro de 1977 — Foto: Biblioteca do Congresso/Marion S. Trikosko via Reuters

g1

 

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