Opinião

Geopolítica climática: conflitos pelo “espaço vital”

O aquecimento global, que avança desgovernado em escala planetária, não está nem aí para os interesses nacionais

Por Felipe Sampaio

 

A geopolítica tradicional é o campo de estudo das ciências políticas e da geografia sobre as disputas entre os Estados por interesses territoriais variados. O tema foi rebaixado ultimamente a um noticiário superficial sobre terrorismo e insurgências localizadas, como se não passassem de brigas de vizinhança ou caçadas a “inimigos públicos”. Ao serem desconectadas de sua conjuntura mais complexa, crises como Taiwan, Iraque, Afeganistão, Ucrânia ou Gaza acabam sendo tratadas como ocorrências locais, sob escrutínio meramente moral e humanitário.

Na verdade, a análise geopolítica saiu de moda desde o ataque ao World Trade Center. Sob o pretexto de uma “guerra ao terror”, a Casa Branca sujeitou o mundo a uma escolha fantasiosa: quem não estivesse do lado dos EUA estaria contra a democracia ocidental. Para isso, ao recorrer à Lei Patriota, à Autorização do Congresso para o Uso da Força e ao programa Stellar Wind, o governo ianque contribuiu para deslegitimar qualquer reflexão pública razoável sobre os motivos econômicos e políticos dos conflitos internacionais.

Acontece que o aquecimento global, que avança desgovernado em escala planetária, não está nem aí para os interesses nacionais. A mudança climática está se firmando como um risco indisfarçável de reordenamento dos fluxos financeiros, das cadeias produtivas, das sociedades e, por consequência, das soberanias atuais. Trata-se de um fenômeno transnacional incontornável para as estratégias de desenvolvimento das nações e que ameaça fronteiras e governos.

Esse fator ambiental, com moldura econômica e política, revitaliza o que podemos rebatizar como Geopolítica Climática, enquanto se reacende a corrida global pela conquista do Lebensraum, nos moldes da velha teoria alemã do “espaço vital” (distorcida pelo nazismo). Ou seja, aquele território que possui os recursos naturais e a posição geográfica essenciais para que um Estado seja autossuficiente.

É curioso que a perda de prestígio da geopolítica clássica nas mesas de discussão e na mídia nos últimos 20 anos decorra, paradoxalmente, da sua composição multidisciplinar, ao reunir enfoques como segurança alimentar, autonomia energética, acesso à água, recursos minerais, localização estratégica, defesa, economia, entre outros. Note-se a desaceleração nas tratativas de descarbonização e de transição energética após a invasão da Ucrânia pelos russos. Quanto mais perspectivas envolvem uma questão, maior é o desconforto causado pelo debate franco.

Por isso mesmo, uma nova Geopolítica Climática se impõe como abordagem na análise das questões tradicionais europeia, asiática, africana e palestina, incorporando-se novas temáticas como a Amazônia, Antártida, transição energética, mineração, água, segurança alimentar e desigualdade social.

As mudanças no clima podem deflagrar uma espécie de neocolonialismo ambiental que confirma a importância da Geopolítica Climática no novo normal do planeta. Afinal, instalações de defesa em áreas passíveis de inundação serão inviabilizadas. Equipamentos militares aéreos e navais terão dificuldade de funcionar. Solos agricultáveis serão inutilizados enquanto outros férteis surgem em regiões de degelo. Secas e inundações causarão migrações em massa. Dinâmicas como essas provocarão enfrentamentos entre os países em busca de um Lebensraum para si. A Geopolítica Climática veio para ficar.

Felipe Sampaio: Cofundador do Centro Soberania e Clima; membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; chefiou as assessorias dos ministros da Segurança Pública e da Defesa; dirigiu o SINESP no ministério da Justiça; foi secretário executivo de segurança urbana do Recife. É assessor no ministério do Empreendedorismo.

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