Opinião

As fronteiras abertas

As polícias no Rio de Janeiro são parte do problema e não da solução

Por André Gustavo Stumpf

A faixa de Gaza brasileira pode ser colocada em diversos pontos do imenso território nacional. Nos últimos tempos, ela se estabeleceu no Rio de Janeiro, especificamente na Zona Oeste da cidade, que une condomínios de alto luxo a residências pobres e favelas. Em meio a tudo isso operam aparentemente sem qualquer controle do estado as milícias que brigam entre sí para vender proteção, produtos, serviços e drogas para a população. As polícias no Rio de Janeiro são parte do problema e não da solução.

O governador Cláudio Castro embarcou rapidamente para Brasília em busca de algum auxílio. Cerca de 300 soldados da Força Nacional já estão nas terras cariocas com objetivo de fiscalizar as rodovias federais, cuidadosamente orientados para não trabalhar em conjunto com as polícias do estado. Não é bom misturar os esforços naquele pedaço. Mas os militares fizeram, ao tempo do governo Temer, uma intervenção federal que custou mais de um bilhão e meio de reais e a situação continua péssima. Não há secretaria de segurança pública no Rio.

Este é o retrato da situação da segurança no Rio de Janeiro. Mas há outro ângulo para observar o fenômeno. O Brasil não produz cocaína. Os principais produtores são, pela ordem: Colômbia, Peru e Bolívia. O maior mercado consumidor é o norte-americano. A droga escoa das costas colombianas, e da Venezuela, por mar ou ar para alcançar às cidades do hemisfério norte. Outro grande mercado consumidor é a Europa. Mas entre o produtor e o consumidor está o Brasil. As rotas são conhecidas. Vem pelo Rio Solimões, voa para Suriname, entra pelo Paraguai, pela rodovia interoceânica que chega ao Acre, entre outros caminhos. Este é um problema sério. O governo Lula cogita de aumentar a presença do Estado na faixa de fronteira de 150 para 250 quilômetros.

Mas com apenas os 150 quilômetros atuais, a faixa de fronteira já abrange 588 municípios de 11 Estados – Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima e Santa Catarina. Essa área corresponde a 27% do território brasileiro. E milhões de pessoas vivem nela. Outra ideia é realocar o programa Calha Norte, que deixaria de ser do Ministério da Defesa para ficar sob a proteção do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional. O Calha Norte foi criado em 1985 e conectado à pasta da Defesa em 1999, orientado para promover a ocupação nas áreas de fronteira.

No plano da realidade, as fronteiras brasileiras são muito mal policiadas e defendidas. A Aeronáutica não dispõe do material necessário para realizar a vigilância mínima na enorme fronteira seca do país que vai desde a Guina Francesa até a fronteira com o Uruguai. O Exército faz alguns movimentos para demonstrar sua capacidade, está instalado em todo território nacional, mas não possui uma força de deslocamento rápido. O Exército foi criado em torno do projeto de combate contra os países do sul. Lentamente, ele percebeu que os possíveis inimigos estão no Norte, na selva amazônica. É por ali, por terra, ar e via fluvial, que entram as drogas.

A Marinha é um caso escandaloso. O poder naval tem sofrido o maior nível de degradação nos últimos anos. A falta de prioridade de sucessivos governos e a redução de investimentos para obtenção, operação, manutenção e modernização de meios contribuiu para uma diminuição gradativa e constante da Marinha do Brasil. A força enfrenta a obsolescência de navios, que levará a uma redução da atual frota em cerca de 40 % até o ano de 2028. É inquestionável a importância da construção de submarinos convencionais e um nuclear em Itaguaí, no Rio de Janeiro. Mas o Álvaro Alberto só deverá ser incorporado em 2037, se as negociações para transferência de tecnologia sensível com governo francês chegarem a bom termo.

Neste ano de 2023, três submarinos foram desincorporados, ou aposentados. O Timbira, o Tapajós e Tamoio. O Brasil não possui Guarda Costeira e a Marinha não consegue vigiar toda a vasta costa brasileira, nem fazer a vigilância razoável nos rios da Amazônia. A costa norte do país é completamente desprotegida. Trata-se de um paraíso para contrabandistas de todos os quilates. A Marinha mantém a base aérea em São Pedro de Aldeia, no estado do Rio de Janeiro, onde utiliza os velhos A4 Skyhawk que deveriam pousar em porta-aviões, mas a força naval não mais possui um navio aeródromo. A Marinha do Brasil opera 70 mil funcionários, somando civis e militares. A Polícia Militar de São Paulo possui mais de 100 mil funcionários, 28 aeronaves, dois navios de combate, 452 embarcações, 16 mil veículos, 450 cavalos, 430 cães e 120 batalhões. A Marinha é menor que a polícia paulista.

André Gustavo Stumpf, jornalista (andregustavo10@terra.com.br)

 

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