Opinião

Argentinos vão às ruas no primeiro desafio ao governo de Javier Milei

Quem bloqueia espaço público não recebe ajuda social

Por Ricardo Noblat

A tensão na Argentina estava tão forte a ponto de poder ser cortada com uma faca às vésperas do primeiro grande protesto contra o governo do presidente ultra qualquer coisa Javier Milei, conhecido como El Loco.

O duro plano de Milei contra as manifestações de rua será posto à prova hoje quando organizações de esquerda marcharão até à Praça de Maio, em Buenos Aires. Em pauta, o corte de 20 bilhões de dólares na despesa pública.

Depois de anunciar que as forças de segurança agirão contra qualquer bloqueio de rua “até que o espaço de circulação esteja completamente livre”, o governo ameaça tirar todas as ajudas sociais de quem ousar fazê-lo. Guerra é guerra.

“Quem bloqueia não recebe”, alertou a ministra do Capital Humano, Sandra Pettovello, em mensagem nas redes sociais. Suas palavras buscam intimidar a população mais vulnerável que depende de planos sociais do governo para sobreviver.

Elas também inauguram, como observa o jornal El País, uma nova diferença de acordo com a classe social: bloquear temporariamente espaços públicos na Argentina de Milei terá um risco maior para os pobres do que para os ricos.

Os bons argentinos a quem Milei sempre se dirige não bloqueiam ruas. Durante a pandemia da Covid-19, a atual ministra da Segurança, Patricia Bullrich, incentivou protestos contra o confinamento decretado pelo governo peronista.

O protesto deve acontecer no fim da tarde, quando a maioria dos argentinos volta para casa, mas, independentemente do horário, a ideia do governo é manter uma política de tolerância zero com quem descumprir o novo protocolo.

Isso obrigará as pessoas a manifestarem-se nas calçadas em vez de marcharem nas ruas, como é habitual na Argentina. O governo teme o agravamento do conflito social devido à deterioração econômica que causará o seu plano de ajuste.

Organizações de direitos humanos alertam que o novo protocolo de segurança desrespeita o direito ao protesto e fere a democracia porque embute “uma autorização para o exercício de violência contra os manifestantes”.

Desde que assumiu a presidência em 10 de dezembro, Milei repete que seguirá firme em seu plano de transformação da Argentina:

“Vão ter um presidente com convicções inabaláveis que utilizará todos os recursos do Estado para avançar nas mudanças que o nosso país necessita”.

 

A chefe da repressão aos protestos será Bullrich, que já comandou a pasta da Segurança durante a presidência de Mauricio Macri. 40,1% da população argentina é pobre e um em cada dois habitantes do país recebe assistência estatal.

A ministra do Capital Humano usou o medo para desencorajar as crianças de participarem de protestos:

“Estamos especialmente preocupados com as mães que participam das marchas com seus filhos. Não é necessário expô-los ao calor e à violência das manifestações. Esta situação na nova Argentina tem que acabar de uma vez”.

“Vamos todos às ruas”, discursou Eduardo Belliboni, um dos líderes da organização Polo Obrero. A escolha da data não foi aleatória: em 20 de dezembro de 2001, grandes manifestações deixaram 39 mortos e cerca de 500 feridos.

Os deputados da Frente de Esquerda optaram por enfrentar o governo na Justiça. Entraram com uma medida cautelar para declarar inconstitucional o protocolo de Bullrich contra os protestos.

Ricardo Noblat é jornalista

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