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Anvisa é imparcial ou sofre influência política em suas decisões? Entenda


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Anvisa
Divulgação/Ministério da Saúde

Apesar de ter diretores escolhidos pelo poder Executivo, agência é pautada pela ciência e análise de dados

“A Anvisa se pauta por evidências. No nosso vocabulário, que adoto como meu também, não há espaço para negação da ciência, tampouco para politização. Não há. Verdadeiramente não há”.

Este é apenas um dos trechos da fala de Alex Campos, um dos diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária ( Anvisa ), durante votação sobre o uso emergencial das vacinas CoronaVac e Oxford/AstraZeneca para o combate à pandemia da Covid-19 no Brasil, ocorrida no último domingo (17). O voto formou maioria pela aprovação e deu início ao processo de imunização da população brasileira .

Porém, outro trecho acabou ganhando espaço na mídia, principalmente entre os apoiadores de Jair Bolsonaro. Em dado momento, Campos rendeu homenagens a Luiz Henrique Mandetta , ex-ministro da Saúde que entrou em rota de colisão com o governo, a quem chamou de “referência humana e profissional”, abrindo espaço para teorias de que seu voto, pautado na análise de dados e da ciência, tivesse viés político.

Houve, inclusive, quem aproveitasse o episódio para recuperar fala do empresário Edson Torres durante depoimento no julgamento do impeachment do governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel . Na ocasião, segundo informações da Folha de S.Paulo, ele apontou que Mandetta teria participado de reunião para evitar que o Iabas, instituto que gerenciava hospitais estaduais e que foi alvo de inúmeras denúncias, fosse afastado da gestão.

Afinal, existe isenção ou parcialidade na Anvisa?

“O que se tem na verdade é aquela eterna briga de viés político do ‘lado b’ contra o ‘lado a’ querendo usar a Anvisa como fiel da balança. Sobre a aprovação das vacinas , não houve nenhuma pressão política. O que foi levado em conta, como foi frisado em todos os momentos, é que os benefícios superavam os riscos. Mais importante, devido ao momento atual da pandemia, foi a inexistência de um tratamento alternativo”, afirma o professor Leandro CD Silva, analista político-econômico.

“Anvisa não parece ser parcial, e sim estar fazendo o trabalho dela. Parece agir como um órgão do Estado Brasileiro e isso é muito importante”, complementa Humberto Dantas, cientista político e Head de Educação do CLP Liderança Pública. “A decisão sobre as vacinas carrega consigo, sim, uma visão restrita e limitada de uma política eleitoreira, mas por parte dos dois grandes agentes desse processo político de vacinação: Jair Bolsonaro e João Doria . São duas figuras que estão infinitamente mais preocupadas em se promoverem e se desafiarem mutuamente do que propriamente resolverem em silêncio um problema que mata e já matou mais de 210 mil brasileiros”. 

“O problema tem sido o desconhecimento da sociedade em relação ao que de fato é promulgado, aprovado e divulgado pela Anvisa . Talvez, o grande erro tenha sido não chamar pessoas com conhecimento na área para explicar ao povo o que de fato a agência diz. Sabemos que na politização você só usa e só mostra aquilo que quer. Então, o mau político pode pegar uma fala, tirar do contexto e deturpar a análise”, conclui Leandro.

O envolvimento da política

Anvisa
Divulgação

Agência reguladora está sob os holofotes desde o último dia 17, quando votou a aprovação do uso emergencial de vaciinas

Tais discussões surgem a partir do momento em que a mesa diretora das agências reguladoras no país são montadas com o envolvimento e o aval de integrantes da política. Conforme explica o cientista político Márcio Juliboni, além da indicação do Poder Executivo, cada nome precisa ser aprovado pelo Senado.

“Isso significa que precisa haver um acordo político entre o executivo e o congresso para que a cúpula das agências assuma. Essa interferência não é necessariamente ruim quando feita por um governo com uma agenda clara de política pública , que vai procurar as pessoas mais qualificadas para implementá-las. Esse é o lado ideal, paradisíaco da escolha. Na prática, o que a gente vê no Brasil é o loteamento com interesses mesquinhos, visando apenas a troca de favores”, afirma Juliboni.

Sobre este envolvimento, principalmente por parte de Bolsonaro, o professor Julio recorda que três nomes foram indicados pelo atual presidente, mas todos com um profundo conhecimento técnico e operacional: “é muito difícil forçar alguma situação dentro da Anvisa para beneficiar a ou b sobre qualquer tipo de tema, seja medicamento, vacina ou até mesmo o uno de produtos químicos no agronegócio. Se analisarmos o histórico, todos os pareceres são estritamente técnicos”.

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Juliboni relembra ainda que um dos integrantes da diretoria, Antônio Barra Torres, é um bolsonarista de longa data, chegou a ser cogitado para substituir Mandetta e Teich no Ministério da Saúde, e é bastante alinhado com as ideias do presidente. Ainda assim, votou de forma favorável ao uso emergencial das vacinas, mesmo após a agência ter feito certo “jogo duro” no trato com a CoronaVac , que chegou a ter os testes interrompidos no Brasil após um dos voluntários ter se suicidado.

“Nesta aprovação, podemos dizer que houve certo grito de independência da Anvisa em relação ao Governo Federal . Um ato simbólico dessa tentativa de se desvencilhar do presidente foi a convergência das avaliações, mostrando que foi uma decisão técnica e ponderada, exatamente o que se espera de uma agência reguladora. Além disso, as manifestações não endossaram nenhum dos comportamentos de risco do Bolsonaro , como a cloroquina e o tratamento precoce. O que se viu foi uma Anvisa independente, centrada e técnica”, afirma.

O futuro da Saúde no Brasil

SUS
Agência Brasil

Qualificação do SUS para um melhor processo de vacinação contra a Covid-19 é essencial

Outro ponto de discordância entre os críticos da aprovação do uso emergencial é o fato de tudo ter acontecido rápido demais. A análise parte principalmente de quem não acredita ou confia na possibilidade de uma imunização segura promovida por vacinas criadas há tão pouco tempo.

Em pesquisa recente, realizada no início de janeiro, o site Poder360 mostrou que 16% da população não pretende se vacinar . Esse número sobe para 24% quando a pergunta é feita para pessoas que se consideram bolsonaristas e avaliam o governo Bolsonaro como ótimo ou bom.

“Temos que ter tranquilidade em relação a isso porque esse é um momento extremamente diverso e diferente. Normalmente, processos de produção e duram um pouco mais, mas a gente não teve nenhuma diminuição de segurança ou qualidade. Acho que nosso grande cenário de preocupação é um jeito muito complicado de lidar com algo que diz respeito ao bem comum. Infelizmente, a gente tem um governo que não cuidou disso da melhor forma e agora tem um plano de vacinação extremamente desorganizado”, afirma a Doutora Karina Calife, médica sanitarista e Professora do Departamento de Saúde Coletiva na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Segundo Calife, o país precisa estar atento e qualificar o Sistema Único de Saúde ( SUS ) para que o processo de vacinação ocorra da melhor forma, e isso só acontecerá a partir da união entre ciência e políticas públicas: “que a gente tenha um olhar de bem comum e não de disputa política. Apesar de que a questão política é muito importante. Temos visto que uma condução adequada traz respostas infinitamente melhores”.

Além de desmistificar possíveis medo relacionados ao processo de vacinação, o momento pede atenção também com próximo passos da própria Anvisa . Só o futuro dirá se o “grito de independência” foi mesmo um marco de mudança e distanciamento do “obscurantismo” e de conversão à ciência ou apenas “medo da opinião pública”.

“Recuperar parte da imagem arranhada está nas mãos dos seus diretores. Se isso foi só jogo de cena, e ela voltar a se alinhar ao Bolsonaro , então o futuro da agência estaria umbilicalmente ligado ao futuro do presidente. Com a queda de popularidade dele e a oposição da opinião pública, é possível que essa imagem se deteriore ainda mais. E isso é preocupante também para os institutos, como Butantan e Fiocruz, que podem deixar de serem vistos como bons parceiros de pesquisa pela comunidade internacional por estar subordinados a uma agência que sofre interferências. Aí, não só o futuro da Anvisa estará em jogo, mas também da pesquisa científica no Brasil e da saúde”, afirma Juliboni.

“A politização é extremamente perigosa. Quando temos um discurso político que sobrepõe a ciência, um parecer técnico que é sobreposto por não ser do interesse de uma classe política, corremos o risco do uso e da deturpação da decisão em prol de um interesse específico em detrimento do interesse coletivo da Saúde”, finaliza o professor Leandro.

Procurada, a Anvisa não retornou as solicitações de entrevista até a publicação da reportagem.

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