Opinião

Adeus ao último Czar da economia brasileira, Delfim Netto

Ele serviu mais ao Diabo do que a Deus

Salvo poucos casos – Bolsonaro é um deles –, nenhum homem público é inteiramente anjo ou inteiramente demônio. Delfim Netto, que ontem morreu aos 96 anos, passará à história como o economista mais brilhante de sua geração e o mais poderoso, ministro de três dos cinco governos da ditadura militar de 64.

Mas aí também reside sua fraqueza: sob seu comando, a economia, a certa altura, cresceu espetacularmente enquanto a renda se concentrava, aumentando o abismo social do país. Por fim, como ministro do último presidente da ditadura, o general João Figueiredo, Delfim fracassou: a inflação ressurgiu e o país quebrou.

Nunca esteve em discussão, e nem está aqui, a inteligência de Delfim, seu conhecimento profundo de economia, suas frases icônicas e grandes sacadas que encantavam seus interlocutores. Sempre teve em discussão sua falta de limites no exercício do poder, seus métodos, sua ambição desmesurada e a quem ele serviu preferencialmente.

Não serviu para a construção de um país menos desigual, pelo contrário. E nunca se arrependeu de ter servido ao Poder Militar durante vinte 21 anos. Foi um dos subscritores do ato institucional mais violento da ditadura, o de número 5, baixado em 13 de dezembro de 1968. E aproveitou o ato para tornar-se ainda mais forte.

Enquanto Jarbas Passarinho, então ministro do Trabalho, mandava “às favas todos os escrúpulos” em defesa do ato, Delfim, pragmático, aconselhava o general Costa e Silva, à época presidente da República:

“Eu acredito que deveríamos atentar e deveríamos dar a Vossa Excelência a possibilidade de realizar certas mudanças constitucionais que são absolutamente necessárias para que este país possa realizar o seu desenvolvimento com maior rapidez”.

Advogava em casa própria. Reinou sem preocupação enquanto adversários da ditadura eram caçados, presos, torturados e mortos. Com o fim da ditadura, sem abandonar seus negócios como consultor de empresas e com a ajuda delas, por cinco vezes se elegeu deputado federal, e em 2006 votou em Lula para presidente.

Do livro de pensamentos de Delfim:

“Nós não temos competência para acabar com o Brasil. O Brasil vai sobreviver a todas as bobagens que nós fizermos”.

“Nunca houve milagre. Milagre é efeito sem causa. É de uma tolice imaginar que o Brasil cresceu durante 32 anos seguidos, começando na verdade em 1950, a 7,5% ao ano, por milagre”.

“Todos melhoraram, mas alguns melhoraram mais que outros. Quem eram esses que melhoraram mais? Exatamente aqueles que tinham sido privilegiados com educação superior e cuja demanda cresceu enormemente no processo de desenvolvimento”.

“A empregada doméstica, infelizmente, não existe mais, ela desapareceu. Quem teve este animal, teve. Quem não teve, nunca mais vai ter”.

“O Lula é um diamante bruto. É um gênio. As pessoas que subestimam o Lula são idiotas. Ele realmente tem uma grande capacidade, não só de se comunicar, que é visível, mas de organizar as coisas. Ele fez um bom governo”.

“Eu voltaria a assinar o AI-5. As pessoas não conhecem a história, ficam julgando o passado, como se fosse o presente. Naquele instante foi correto, só que você não conhece o futuro. Quando se assinou o AI-5, o que se imaginava era que o habeas corpus seria para proteger o cidadão, não para matá-lo. Hoje nós sabemos para onde queremos ir e aprendemos que só existe um mecanismo para administrar esse país e levá-lo ao progresso, que é o fortalecimento do processo democrático. Isso é um aprendizado”.

Ricardo Noblat é jornalista

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