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Acabar a guerra “o mais rapidamente possível” quer dizer nada

Lula não é Ronald Reagan, nem o Brasil os Estados Unidos

Por Ricardo Noblat

Dada à sua natureza excessivamente conservadora, como demonstrado ao longo da história, a tradicional imprensa brasileira, só agora e com bastante atraso, começa a dar-se conta de que o maior obstáculo à paz no Oriente Médio é o governo de extrema-direita do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, pela terceira vez no cargo.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, sabe disso, mas não quer admitir às vésperas de uma eleição difícil contra o ex-presidente Donald Trump. A maior colônia de judeus fora do Oriente Médio está justamente nos Estados Unidos. Israel é visto pelos americanos como seu maior-porta-aviões naquela parte inóspita do mundo.

Os líderes das maiores potências ocidentais também sabem, mas suas ligações com o povo judeu, alimentadas por um antigo sentimento de culpa e negócios que interessam aos seus países, os impede de dizer com clareza que é preciso dar um basta à guerra que ameaça dizimar os palestinos. De resto, não ousam contrariar os Estados Unidos.

Em agosto de 1982, narra a jornalista Lúcia Guimarães na Folha de S. Paulo, o então presidente americano Ronald Reagan, com um telefonema, sustou o bombardeio israelense de civis no Líbano. Reagia assim a um dia de ataques que haviam deixado 100 civis mortos. Reagan ligou para o primeiro-ministro Menachem Begin e disse:

“Isto é um Holocausto”.

Begin, em tom sarcástico, respondeu, segundo Lou Canon, biógrafo de Reagan:

“Eu acho que eu sei o que é um Holocausto”.

Vinte minutos depois, Begin ligou de volta avisando que tinha suspendido o bombardeio. Biden não faz o mesmo com Netanyahu por razões que só ele e Deus conhecem. Não se passa um dia sem que Biden, pessoalmente ou por meio de porta-vozes, não diga que a matança de palestinos tem que ser interrompida.

Mas todas as resoluções apresentadas ao Conselho de Segurança que recomendavam o fim da guerra foram vetadas pelos Estados Unidos. Esta semana, mais uma foi vetada. O governo americano diz que prepara a sua, recomendando que a guerra seja cesse “o mais rapidamente possível”. Quer ambiguidade maior?

O mais rapidamente possível quer dizer o quê? Uma semana, um mês, um ano? Quem definirá o prazo para que os canhões silenciem, e os mísseis e bombas fornecidos pelos Estados Unidos deixem de ser jogados sobre palestinos em fuga dentro da Faixa de Gaza, a correrem para um lado e para outro obedecendo às ordens de Israel? É um tiro ao alvo.

Biden, e mais recentemente os líderes europeus, dizem que o fim da guerra implicará na devolução pelo Hamas dos reféns que eles fizeram, da libertação por Israel de palestinos presos em suas masmorras, e do início “o mais rapidamente possível” da criação de um Estado Palestino. É a velha tese dos dois Estados jamais implantada.

Na semana passada, por unanimidade, o governo de Netanyahu decidiu que não haverá Estado palestino. A decisão foi ratificada, anteontem, pelo Congresso de Israel. Dos 120 deputados, 99 de diferentes partidos políticos votaram de acordo com Netanyahu, e apenas nove contra, de partidos árabes.

Ahmad Tibi, líder do partido Arab Taal, interrompeu o discurso de agradecimento de Netanyahu gritando: “Será criado um Estado palestino! Apesar de suas palavras, ele será criado!” Após duas advertências do presidente da sessão, Ahmad foi expulso do plenário.

Lula falou em Holocausto para condenar a matança em Gaza. Mas ele não é o Reagan, nem o Brasil os Estados Unidos.

Ricardo Noblat é jornalista

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