Opinião

A poesia de Francisco

Por Marcos Magalhães

Reprodução/Youtube

Alguém se lembra de um papa que tenha citado um poema? Uma canção? Mais ainda, em um documento oficial?

Alguém se lembra de um papa que tenha citado um poema? Uma canção? Mais ainda, em um documento oficial? Pois Francisco, um homem sensível até a morte, foi buscar em Vinicius de Moraes inspiração para a sua encíclica Todos Irmãos, lançada há cinco anos.

“A vida é a arte do encontro”, recordou Francisco na encíclica, ao abordar a necessidade de maior diálogo entre as pessoas. “Embora haja tanto desencontro nessa vida”

Pode ser que ele tenha ouvido várias vezes no rádio, em Buenos Aires, o Samba da Benção, de Toquinho e Vinicius. Quem sabe em alguma antiga vitrola. Os ecos do poema brasileiro lhe pareceram coerentes com a mensagem que queria transmitir.

Uma mensagem de esperança, ainda que permeada de fortes críticas sociais. Na canção, dizia Vinicius, o samba é a tristeza que balança. Mas a tristeza, emendou, tem sempre uma esperança de não ser mais triste não.

Na encíclica, lançada quando o mundo passava pelo trauma da pandemia da Covid, o papa falava da necessidade de busca de uma nova união. “Desejo ardentemente que, neste tempo que nos cabe viver, reconhecendo a dignidade de cada pessoa humana, possamos fazer renascer, entre todos, um anseio mundial de fraternidade”.

O momento não era fácil. Ainda não o é. Como recordava Francisco, a história tem registrado “sinais de regressão”. “Reacendem-se conflitos anacrônicos que se consideravam superados, ressurgem nacionalismos fechados, exacerbados, ressentidos e agressivos”, anotava.

A solução, ponderou o papa no documento, não virá de uma hora para outra, mas de geração em geração, acumulando pequenas construções de fraternidade, paz, amor e solidariedade. Daquelas construções que não deixem os mais pobres para trás.

A pequena utopia do papa atraiu para ele crítica e ceticismo. Não faltou quem o acusasse, na língua da ironia, de ser apenas um poeta sonhador. Pois a poesia, o sonho e a solidariedade, em tempo de distopia, passaram a rimar cada vez mais com ingenuidade.

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

 

Metrópoles

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *