Opinião

Kamala derrota Trump em debate. Agora, falta derrotá-lo no voto

A senhora da situação contra um homem descontrolado

Por Ricardo Noblat

 

Donald Trump (Republicano) suou a camisa ao enfrentar Kamala Harris (Democrata) no primeiro e talvez único debate entre os dois pela presidência dos Estados Unidos. Suou para tentar derrotá-la, suou para defender-se de acusações, suou porque foi desmentido em várias ocasiões pelos mediadores do debate.

De nada adiantou. Kamala o venceu, não por nocaute, mas por pontos. Ela precisava se apresentar aos eleitores que dizem não a conhecer o suficiente – apresentou-se. Precisava mostrar firmeza – mostrou. E precisava tirar Trump do sério – conseguiu. Se isso lhe renderá mais votos, só as pesquisas poderão dizer.

Assessores de Trump, sob a garantia de não serem identificados, admitem que ele não estava no melhor de sua forma. Em pouco mais de uma hora e meia de debate, sentiu-se visivelmente acuado por Kamala, empurrado para as cordas, e limitou-se a repetir o discurso que sabe de cor – pobre em ideias, repleto de mentiras.

Ocorre que uma coisa é discursar para pessoas que não estão ali para o contraditar, só para aplaudir. Outra é discursar tendo à sua frente uma comentarista exigente, atenta e disposta a desnudá-lo. Foi assim que Kamala se comportou. E em diversos momentos, Trump perdeu a paciência e acabou dando-se mal.

Em minutos, ele desceu de uma discussão sobre tarifas públicas para descrever os que migram para os Estados Unidos — uma questão à qual voltaria de forma cansativa várias vezes durante a noite. Quase histérico, disse a certa altura sobre eles:

“Eles estão tomando conta das cidades”. Estão tomando conta dos prédios. Estão destruindo nosso país. Eles são perigosos. Eles estão no mais alto nível de criminalidade, e temos que tirá-los de lá. Temos que tirá-los de lá rápido.”

Trump só piorou a partir daí:

“Eles estão comendo os cachorros”.

Referia-se a uma fake news espalhada por seu companheiro de chapa, o senador JD Vance. Insistiu:

“As pessoas que entraram, estão comendo os gatos. Elas estão comendo os animais de estimação das pessoas que vivem aqui.”

Quando o moderador do debate, David Muir, o desmentiu, Trump disse que ouviu sobre isso na televisão. Kamala não deixou passar nada. Com meia hora de debate, ela tinha o controle da situação. A ponto de sugerir algo inusitado: convidou os espectadores para comparecer a um dos comícios de Trump, justificando-se:

“Ele fala sobre personagens fictícios como Hannibal Lecter. Sobre moinhos de vento que causam câncer. Só não fala sobre as necessidades das pessoas, seus sonhos e desejos. É por isso que as pessoas começam a sair de seus comícios mais cedo. Você merece um presidente que o coloque em primeiro lugar”.

A abordagem de Kamala sinalizou que brigar com Trump era menos importante do que falar com os eleitores. E ao falar repetidamente sobre Trump como se ele não estivesse no mesmo palco, ela avançou numa estratégia de campanha de retratar a chapa republicana como fora de sintonia com os americanos.

O debate foi um sucesso absoluto para Kamala, não apenas porque ela definiu a si mesma e aos seus planos, mas também porque conseguiu apertar alguns botões e levar Trump a mostrar sua verdadeira face.

Ricardo Noblat é jornalista

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