Opinião

Depois de Gaza, o massacre dos palestinos se transfere para Rafah

Israel faz tiro ao alvo numa guerra sem fim

Por Recardo Noblat

Vai saber o que de fato acontece em detalhes e em toda sua extensão na Faixa de Gaza, uma vez que Israel proíbe o acesso de jornalistas ao enclave onde quase 35 mil pessoas foram mortas desde o início da guerra em 7 de outubro passado, a maioria mulheres e crianças, e não se envergonha de matar jornalistas palestinos e seus parentes.

Mas há ocasiões em que o governo de extrema-direita de Israel antecipa publicamente o que fará. O que a princípio parecia apenas uma travessia de Rafah, cidade do Sul, em direção a Gaza, cidade totalmente destruída na primeira fase da guerra, revela-se agora a tão temida invasão de Rafah, que hoje abriga os que fugiram de Gaza.

Fugiram, não. Deslocaram-se para Rafah a conselho de Israel no início da guerra. Israel queria trânsito livre em Gaza para atacar o grupo Hamas que ali mantinha a maioria dos seus combatentes, e destruir seu sistema de túneis que atravessa a cidade de uma ponta à outra. Mais de um milhão de palestinos foram então para Rafah.

Um número incerto de combatentes do Hamas foi morto em Gaza, bem como milhares de civis que ali insistiram em permanecer. Parte incerta do sistema de túneis também foi destruída. Agora, Israel está pronto para invadir por terra Rafah, onde diz que se esconde combatentes do Hamas que fugiram de Gaza.

Naturalmente, sobrará mais uma vez para os palestinos. Na madrugada deste domingo, o jornal israelense Haaretz estampava a manchete: “Israel lança bombardeio pesado no norte de Gaza”, enquanto o The Guardian, o mais importante jornal inglês, preferia destacar: Famílias fogem em pânico de Rafah enquanto Israel inicia um ataque total”.

Chamou a atenção do jornal inglês os folhetos lançados por Israel sobre Rafah e seus comunicados postados nas redes sociais. Só no final deles, Israel advertiu os palestinos para o caráter iminente de suas ações em Gaza por meio de bombardeios, e em Rafah por meio de uma ofensiva terrestre. É mais um massacre que se anuncia.

Os que queiram tentar escapar dele não têm muito para onde correr. Um ataque simultâneo a Gaza e Rafah não deixa espaço seguro para ninguém em fuga. Era o que mais temia o governo do presidente americano Joe Biden, que bancou e ainda banca as ações de Israel em Gaza, mas que se opõem à invasão de Rafah.

Mais de cem mil palestinos fugiram de Rafah no sábado. As estradas que saem da cidade estavam repletas de longas colunas de jovens e velhos, doentes e saudáveis, viajando em picapes sobrecarregadas, carros danificados e carroças puxadas à mão. Muitos caminhavam, carregando seus pertences sob um sol escaldante de verão.

“Estamos agora num estado de extrema tensão e ansiedade”, afirma Dina Zayed, 54 anos, que está em Rafah há seis meses desde que fugiu do norte de Gaza. “Não sabemos o que vai acontecer conosco. Estamos indo em direção ao desconhecido. Todo mundo sente o mesmo. Nossos próximos dias serão muito difíceis.”

Ao dirigir-se à imprensa no sábado à noite, em Tel Aviv, o porta-voz das Forças de Defesa de Israel, o general Daniel Hagari, disse que as operações em Rafah serão “limitadas e táticas”, e que o exército está evitando operar em áreas densamente povoadas. Enfatizou que Israel luta contra o Hamas, não contra os palestinos. Pois sim…

Os EUA ofereceram informações a Israel, incluindo sobre a localização dos líderes do Hamas e túneis escondidos em Gaza, em troca de evitar uma grande invasão terrestre a Rafah, segundo o jornal Washington Post. Não adiantou. Organizações internacionais de ajuda humanitária não têm mais condições de atuar no enclave.

O chanceler alemão, Olaf Scholz, disse que um ataque terrestre a Rafah seria irresponsável e levaria a uma perda massiva de vidas civis: “Não acredito que exista qualquer abordagem que não conduza a uma incrível perda de vidas humanas de civis inocentes”. Ele repete o que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu está cansado de ouvir em vão.

Ricardo Noblat é jornalista

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