Opinião

Vida longa para os que fecham os olhos à destruição do meio ambiente

2023 foi o ano mais quente da história da humanidade

Por Ricardo Noblat

Pela maioria de suas vozes, independente de partidos e de tendências políticas, o Congresso mais conservador e de direita que já tivemos desde o fim da ditadura militar de 64 se diz horrorizado com a tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul, e disposto a aprovar todas as medidas que a suavizem e permita a reparação dos estragos.

O mesmo Congresso, porém, por uma das suas casas, o Senado, está para votar um projeto que defende a redução da reserva legal da Amazônia. Por reserva legal, entenda-se o percentual da propriedade que deve ser protegida e preservada. O percentual é de 80%, segundo lei aprovada no governo Fernando Henrique Cardoso.

No começo do governo de Jair Bolsonaro, o de triste memória, o senador Márcio Bittar (União-SC) propôs acabar com a reserva legal em todos os biomas. Isto é: pôr abaixo as florestas no Brasil. Apoiada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a proposta, de tão bizarra, não foi adiante. Mas “Bittar Motosserra” não desistiu dela.

Ele agora é relator e deu parecer favorável a um projeto que estipula: no município onde tiver 50% de área pública preservada, a reserva legal poderá ser reduzida à metade. Sim, foi isso o que você leu. Significa que o proprietário de terras poderá desmatar mais do que desmata hoje. Que lhe parece? Está de acordo? Se não estiver, faça barulho.

Há dois anos, as chuvas mataram 242 pessoas em Petrópolis, no Rio de Janeiro. No ano seguinte, 64 perderam a vida em São Sebastião, em São Paulo. Entre final de 2023 e início de 2024, chuvas no Rio Grande do Sul mataram 110 pessoas, mais do que o total registrado em desastres naturais nas três décadas anteriores.

No dia 25 de abril último, os leitores do Correio do Povo, o mais antigo jornal do Rio Grande do Sul, foram alertados de que algo importante estava à sua disposição on-line. O título da notícia dizia:

“Cenário de perigo: RS terá chuva excessiva semelhante aos extremos de 2023, aponta MetSul.”

E a linha de apoio ao título completava:

“Episódio de instabilidade deve ocorrer entre final de abril e começo de maio.”

Ocorreu, e ainda está longe de terminar. Afeta 401 dos 497 municípios do Estado. Está confirmada a morte de 95 pessoas e o número de desaparecidos ultrapassou a casa dos 130. Há quase 160 mil desalojadas, e 40 mil em abrigos. Porto Alegre é uma cidade isolada por ar e terra. É a maior catástrofe da história do Estado.

O nível do Guaíba, na região do Cais Mauá, em Porto Alegre, alcançava 5m23cm no meio da tarde de ontem. Só deve baixar para os quatro metros na próxima terça-feira (14). Acontece que as previsões indicam mais chuvas no fim de semana, e o nível do Guaíba poderá subir se elas forem intensas.

O governador Eduardo Leite (PSDB) disse, e políticos seus aliados repetem, que não é a hora de apontar responsáveis ou discutir as causas das inundações; é hora de socorrer as vítimas. É uma fala de quem se sente culpado, mas não somente ele. A Prefeitura de Porto Alegre não gastou 1 real na prevenção de enchentes no ano passado.

Dados da Agência Espacial Europeia registram que abril de 2024 teve as temperaturas mais elevadas para esse mês já registradas na série histórica. A média global foi de 15,03°C no período, ficando 0,14°C acima do máximo anterior, de 2016. No mês passado, os termômetros ficaram 0,67°C além da média para abril entre 1991 e 2020.

Feito com base em análises geradas por computador a partir de bilhões de medições de satélites, aeronaves, embarcações e estações meteorológicas, os dados mostram que o planeta segue apresentando uma sequência de novos recordes de calor após 2023, que foi classificado como o ano mais quente da história da humanidade.

Estou muito velho para imaginar que poderei ver o planeta pegar fogo, mas esse é o risco que correm meus netos, e os netos deles com razoável certeza se o mundo não tomar consciência do que o aguarda se nada ou só pouca coisa for feita para evitar o Armagedon. Vida longa para os que se negam acreditar no que está à vista.

Ricardo Noblat é jornalista

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