Opinião

O caminho entre dois túmulos

Lula não está preparando um sucessor, nem está estabelecendo objetivos para o Brasil nas próximas décadas

Por André Gustavo Stumpf

O delírio da imortalidade acompanha o homem desde que ele descobriu o poder político. Jair Bolsonaro comprometeu o Exército brasileiro nas próximas gerações em nome de suas pequenas ambições pessoais e de suas pretensões imensas. Ele não tinha plano de governo, projeto, nem competência para administrar um país complexo como o Brasil, mas as delícias do poder enebriam, tiram o homem do sério e ele começa a sonhar com décadas de poder, mulheres, dinheiro em cascata, viagens espetaculares e nos momentos únicos criados por suas epifanias. O ex-presidente, contudo, ficará marcado a ferro por todos os tempos como responsável por um golpe de estado fracassado. É seu carma.

Todos os grandes líderes sonharam com a imortalidade. Na Rússia, Putin, com seus 71 anos, desafia os ditames da natureza. Foi reeleito para mais seis anos de mandato. Stalin, com todo o poder, morreu sozinho. Sua governanta levou um dia para reunir coragem, entrar no quarto e descobrir que o grande timoneiro estava sem vida. Vinicius de Moraes, poeta, diplomata, jornalista, poliglota, capaz de falar de coisas difíceis de maneira simples, elimina qualquer dúvida sobre o espinhoso tema. Não existe imortalidade. Ele diz: “Para isso fomos feitos; para lembrar e ser lembrados, para chorar e fazer chorar, para enterrar os nossos mortos, por isso temos braços longos para os adeuses, mãos para colher o que foi dado; dedos para cavar a terra; assim será nossa vida, uma tarde sempre a esquecer, uma estrela a se apagar na treva, um caminho entre dois túmulos; para isso fomos feitos; para a esperança do milagre; para participação da poesia, para ver a face da morte, de repente nunca mais esperaremos”. (Poema de Natal, Rio de Janeiro,1946)

O presidente Lula tem 78 anos e mais quase três anos de mandato, sem computar a possibilidade da reeleição. O tempo é cruel. Não poupa ninguém. Chavez, o líder que tomou o poder na Venezuela tentou de tudo para sobreviver à doença. Foi a Cuba onde recebeu os melhores tratamentos médicos. Morreu em sua terra e não impediu a ascensão de um condutor de metrô de Caracas. Nicolas Maduro está esticando o tempo até o limite do impossível. Ameaça uma invasão aqui, faz um acordo acolá com os Estados Unidos, mas não sai do poder. Aqui, o ex-todo poderoso José Dirceu faz festa para comemorar 78 anos com discurso prometendo mais poder. Reaparece sentado na mesa do Senado Federal. O tempo não passa para alguns políticos. A morte para eles será sempre uma surpresa.

Grandes impérios deixaram marcas. Gregos e romanos criaram sistemas de governo. Napoleão, o corso, fez a guerra contra as monarquias, mas deixou seu código civil bem escrito e fundamentado. Morreu sozinho na ilha da Ascensão no meio do Atlântico, território inóspito, longe de qualquer área habitada. Hitler que imaginou o Reich de mil anos, se suicidou quando os russos já estavam dentro de Berlim, doze anos depois de tomar o poder. A experiência soviética que iria abraçar o mundo se dissolveu e virou história. O comunismo resiste na China na sua inesperada versão capitalista e disputa com os Estados Unidos a hegemonia no mundo das finanças e da alta tecnologia. Nada parecido com os vaticínios de Marx.

Tudo passa e tudo muda. O presidente Lula, na sua terceira versão, está cada vez mais parecido com o idoso que se acha na posição de dizer tudo o que vem à cabeça. O mundo se transforma em velocidade estonteante. A inteligência artificial e seus filhotes estão desafiando os velhos e cobrando ousadia dos jovens. Os conceitos arcaicos desaparecem lentamente, mas o presidente acha que a queda de sua popularidade deriva apenas de um problema de comunicação. Ele está fora do tempo. Não percebeu que os ventos mudaram.

Lula não está preparando um sucessor, nem está estabelecendo objetivos para o Brasil nas próximas décadas. Ele queimou eventuais sucessores. Não demarcou o terreno por acreditar que chegará ao quarto mandato sem maiores problemas. É um desafio pesado. Não se deve apostar contra o tempo. Quem comete esta ousadia costuma perder. Os líderes da nova República foram embora. Restam poucos. Em posição de mando, só Lula. O presidente está magro, bem cuidado e elegante.

Mas o tempo passa para todos. Biden e Trump estão, os dois, desafiando os desígnios do destino. Estão jogando a maior economia do mundo numa situação de risco extremo. O Brasil corre este mesmo risco. As gerações se sucedem de maneira natural, ou não. Mas sempre se sucedem. Um Lula com mais de oitenta anos, defendendo projetos dos anos setenta do século passado, é o fim do sonho petista e o desastre nacional. Renovar é preciso. É perda de tempo brigar com o calendário. Vinicius ensinou que a vida é um caminho entre dois túmulos, os dos pais e o seu. Além disso, só história.

André Gustavo Stumpf, jornalista (andregustavo10@terra.com.br)

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