Polícia

Aventura no Peru se transforma em um ‘filme de terror’

Reprodução

Uma viagem sobre duas rodas, planejada e sonhada por dois amigos mato-grossenses, quase termina em tragédia, em um pequeno povoado de Oxapampa, na região de Pasco, no Peru. Os aventureiros foram cercados por indígenas Ubiriki, agredidos com socos e chutes e ameaçados de morte. Por muito pouco, a dupla não foi castrada e morta. O momento de terror foi motivado pela disseminação de fake news nas redes sociais, que afirmavam que a região estava sendo atacada por seres intitulados de pelacara ou pishtacos. Se trata de um mito andino (embora os nativos ainda estejam convencidos de sua existência até hoje), em que estes seres retiram a face das pessoas, as degolam, comem sua carne e retiram a gordura para vender.

O advogado cuiabano, Sidney Barbosa, 57, e o amigo, o empresário Airton Cavalca, 62, que morou em Rondonópólis por mais de 40 anos, são conhecidos pelo espírito aventureiro. Os dois se consideram muito experientes na exploração de locais pouco ou nunca visitados e fazem os percursos, na maioria das vezes, de motocicleta. “Já fomos para o Alasca de moto, visitamos o Ushuaia, conhecido como Terra do Fogo, rodamos o Brasil inteiro, América Central e América do Norte. E esta viagem ao Peru já era a minha 11ª lá e a 8ª do Cavalca”, frisa o advogado.

O plano da dupla era percorrer da nascente do rio Amazonas à Cordilheira dos Andes, no Peru, seguindo até Manaus. Um trajeto inédito, segundo eles, e que, apesar do susto, foi concluído com sucesso.

Para dar início à aventura, eles se encontraram em Porto Velho, de onde saíram de moto, enfrentando muitas dificuldades como areia, pedras e a altitude, até o Amazonas. Chegamos na Cordilheira dos Andes, passamos rapidamente em Cusco (Machu Picchu), para poder ir para Pucallpa (cidade peruana), onde ia começar a navegação. “A gente já tinha feito vários trajetos pelo asfalto e queríamos inovar, indo por terra. Seguimos pela selva central peruana. Sabíamos que se tratava de uma área de narcotráfico e terrorismo. Mas, temos experiência, e seguimos confiantes”, lembra Sidney.

Os amigos enfrentaram 180 horas de barco, percorrendo cerca de 3.700 km de modo fluvial, resultando em mais de uma semana dentro de balsa. A viagem ocorria bem, eles já haviam, inclusive, passado da região considerada perigosa e estavam a 260 km de Pucallpa, quando foram vítimas de uma situação que, segundo eles, nem mesmo pode ser descrita.

 

Filme de terror

Era por volta das 14h30, do dia 4 de setembro, quando a dupla chegou em uma área de reserva, que era isolada com correntes. Eles compraram o passaporte exigido e tiveram as motocicletas fotografadas. Ali começava uma vivência, descrita pelos amigos, como digna de filme de terror.

Airton, que seguia na frente de Sidney, parou em um precipício para fazer fotos e foi abordado por um senhor indígena que estava com uma vara em uma mão e um facão na outra. A intenção era atacar o empresário, mas quando viu Sidney se aproximar, recuou. O empresário chegou a pegar o celular e pedir para o senhor tirar uma foto dele, mas, ao invés de atendê-lo, o indígena começou a gritar de forma descontrolada. A dupla, então, optou por deixar o local.

Ao passarem por dois barzinhos instalados à beira da estrada, Sidney notou que haviam mulheres falando ao celular, enquanto olhavam para as motos. Em uma baixada, a dupla foi obrigada a interromper o percurso. Os indígenas haviam fechado a estrada com dois troncos e uma caminhonete Hilux antiga.

Ambos foram cercados por um grupo de homens com pedaços de pau na mão e foram forçados a descerem das motos. Rapidamente, inúmeras pessoas chegaram ao local e, dentre elas, a líder comunitária do povoado. “Ela alisava dois pedaços de cordas nas mãos o tempo todo, olhando para nós, e fazia sinais para nos amarrar e cortar nossas cabeças”, lembra o advogado.

Cercados por aproximadamente 200 pessoas que os ameaçavam de morte o tempo todo, os aventureiros sentiram alívio ao verem dois agentes da Polícia Nacional Peruana chegarem. Quase que de forma instantânea, também apareceu no local o senhor que viram no precipício.

“Ele apontou para o Airton e disse: foi ele! É ele!”. Os amigos não sabiam, mas os indígenas acreditavam que eles eram pishtacos, descritos como homens brancos, altos, geralmente barbudos, às vezes com cabelos grisalhos perceptíveis, características que os amigos possuem.

Todos os presentes passaram a agredir Airton com socos e chutes por todo o corpo. Na tentativa de defender o amigo, Sidney também foi alvo da violência. Houve intervenção dos policiais, que conseguiram cessar as agressões. Eles pediram para abrirmos os maleiros das motos. Tanto os policiais, quanto os índios, revistaram tudo que tínhamos nesses compartimentos. Acho que eles nunca tinham visto homens vestidos e equipados como nós, opina o advogado.

 

O poder da fé

Um dos objetos tirados do maleiro por Sidney foi uma bíblia de bolso. Conta que, nesta hora, ele sentiu uma reação imediata da população, e uma senhora gritou: “Ele é cristão!”. Foi o início da retomada da calmaria.

Duas viaturas, com mais oito policiais, chegaram para dar reforço e optaram por levar os dois amigos e as pessoas envolvidas nas acusações e agressões para uma espécie de salão. Lá, a polícia decidiu que faria uma simulação e deixou o senhor indígena falar e Airton dar sua versão.

Mesmo diante de resistências, Sidney também falou e acabou emocionando a todos que estavam ali. Relatou que sempre defendeu o Peru por onde foi. Informou que, no dia seguinte, era seu aniversário e havia planejado comemorar naquela região, longe de sua família, como prova de sua paixão pelo país. “Todos me aplaudiram de pé. Fomos de vilões a heróis. Perdemos as contas de quantas fotos tiramos”.

A dupla se dirigiu à cidade de Villa Rica, onde Airton passou por avaliação médica, pois estava muito machucado. Enquanto Sidney foi até à delegacia pegar uma cópia do boletim de ocorrência. “Quero agradecer de coração os dois policiais que apareceram lá. Se não fossem eles, não estaríamos vivos para contar essa história”.

Após os momentos de tensão, o advogado decidiu que não queria mais seguir com o projeto, mas Cavalca o convenceu a não desistir. Propôs um novo trajeto, em que tiveram que percorrer 400 km a mais para concluir a viagem. “Valeu a pena, pois era um percurso muito bonito. Mas não pretendo mais voltar. Agora já conheço todo o país”.

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Gazeta Digital
Foto:Ilustrativa

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