Opinião

Os bolsonaristas escolhem perder mais uma, desta vez na Argentina

Balada para Los locos 

Por Ricardo Noblat

Admirável o esforço de última hora dos bolsonaristas notáveis e da sua aguerrida tropa de choque para eleger presidente da Argentina no primeiro turno o ultraliberal populista Javier Milei, que se orgulha de ser conhecido como o “El loco”.

Sim, porque só um louco defenderia a dolarização da economia, o fechamento do Banco Central, o corte de gastos sociais com Saúde e Educação, a venda de órgãos humanos e o rompimento de relações com a China e o Vaticano do papa Francisco.

Sem falar das frases polêmicas que Milei dispara para chamar a atenção (lembra alguém?):

 

“O Mickey Mouse é a aspiração do político argentino porque é uma ratazana nojenta que todo mundo ama”.

“Minha primeira propriedade é o meu corpo. Por que não vou dispor do meu corpo?”

“Não vim guiar cordeiros, vim despertar leões.”

“O aquecimento global é uma mentira.”

“No meu governo, não haverá marxismo cultural e não pedirei perdão por ter pênis”.

Por obra e graça dos bolsonaristas, o nome de Milei figurou no domingo entre os assuntos mais comentados do X (ex-Twitter). O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que viajou à Argentina para acompanhar a apuração dos votos, escreveu:

“Façam o que fizerem, não vão parar Milei, ele é um fenômeno. Um prazer estar bem acompanhado na terra dos irmãos!”.

Entre os hermanos, Eduardo não teve sorte. Sua entrevista a um canal de TV foi tirada do ar quando ele começou a defender a posse de armas para todo mundo. Por sinal, essa é uma proposta da campanha de Milei. Eduardo é lobista de fábricas de armas.

Ex-ministro da Justiça e senador pelo ParanáSergio Moro (União Brasil), ameaçado de perder o mandato porque gastou além do que podia, postou horas antes de conhecer o resultado do primeiro turno da eleição argentina:

“As primárias na Venezuela devem consagrar María Corina Machado como a candidata presidencial de oposição a Maduro em 2024. E na Argentina, com Milei ou Bullrich, as eleições presidenciais representam a oportunidade para o adiós ao kirchnerismo”.

Sérgio Camargo, que foi presidente da Fundação Cultural Palmares, e dali saiu demitido por ter dito coisas do tipo “Chega dessa porcaria! Negros não precisam ser vítimas. Negros não precisam ser de esquerda. Negros são livres”, alertou:

“A Argentina será muito burra e merecerá o socialismo se não eleger Javier Miles neste domingo. Felizmente, tudo indica que vai fazer a coisa certa. Uma multidão digna de Bolsonaro recepcionou Milei a caminho do voto”.

Mais cedo, Camargo publicou um desenho do ex-presidente americano Donald Trump vestido de policial e acompanhado da seguinte legenda: “O Império da lei e da ordem será restaurado na América”.

Em sua nova versão, marcada pela jocosidade, o senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP e ex-ministro da Casa Civil do governo Bolsonaro, também se manifestou:

“Eu Milei, tu Milastes, ele Kirchinou, nós Milamos, Vós Milastes, eles Kirchinaram. Argentina Libre!”.

Nogueira não é bom de aposta. No ano passado, até a véspera da eleição, ele disse e repetiu que Bolsonaro passaria Lula nas pesquisas antes do primeiro turno. Como não passou, garantiu que Bolsonaro venceria Lula no segundo turno. Como ele não venceu…

O PP de Nogueira está com um pé dentro da base de apoio ao governo Lula e prestes a pôr o segundo. Milei estava com um pé dentro da Casa Rosada, sede da Presidência argentina, desde que vencera as primárias de agosto. Imaginava pôr o segundo já.

Deu ruim. Se nas primárias Milei obteve 30% dos votos contra 28% dPatricia Bullrich do “Juntos pela Mudança” e 27% de Sérgio Massa do União pela Pátria, no primeiro turno ele ficou com o que tinha, Bullrich caiu e Massa alcançou 36,68%.

O fenômeno deixou de ser Milei e passou a ser Massa, ministro da Economia de um país quebrado e com uma inflação descomunal. O milagre da multiplicação dos votos salvou o peronismo de uma espetacular derrota. A que se deveu?

Deveu-se à habilidade do candidato para fazer alianças, à fidelidade ao peronismo dos moradores de bairros pobres de Buenos Ayres e a Milei e Bullrich, que dividiram o voto da oposição e não apresentaram propostas convincentes.

Ricardo Noblat é jornalista

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