Opinião

A Amazônia não é nossa como se diz, é dos que a roubam e matam

O último serviço prestado por Bruno Pereira e Dom Phillips a um Brasil que dá as costas ao outro Brasil

Ricardo Noblat

 

Photo by Victoria Jones/PA Images via Getty Images

Mal e mal, Bolsonaro governa metade do país – ou tenta governar, cercado por auxiliares medíocres à sua imagem e semelhança e apoiado por marginais armados. A outra metade do país que corresponde à Amazônia, desistiu de governar faz tempo. Ou nunca quis. Entregou seu destino a Deus, na verdade a toda sorte de bandidos, nativos e internacionais.

O que era fato tornou-se notório com o desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips. E o que diz Bolsonaro desde que os dois foram vistos pela última vez a navegarem pelo Vale do Javari – Pereira como guia experiente de Phillips, correspondente no Brasil do jornal “The Gardian” a coletar informações para escrever um livro sobre a Amazônia?

Por duas vezes, Bolsonaro os chamou de aventureiros, culpando-os pelo crime de viajar sozinhos em área tão perigosa. Nove dias depois, disse que foram vítimas de “alguma maldade” e que dificilmente estão vivos. Empatia significa pôr-se no lugar do outro. O máximo da empatia demonstrada por Bolsonaro foi dizer que lamenta e que uma coisa dessas acontece em qualquer parte.

O sindicalista Chico Mendes foi assassinado durante o governo Sarney. Lula era presidente quando mataram a missionária defensora dos sem terra Dorothy Stang. Não se pode pôr na conta de Sarney e de Lula as duas mortes. Na conta de Bolsonaro pode-se pôr parte da culpa pela morte de Pereira e de Phillips. Nenhum presidente estimulou tanto quanto ele a degradação da Amazônia.

Quem hoje administra a Amazônia é um condomínio de grupos criminosos – narcotraficantes, traficantes da biodiversidade e de animais, garimpeiros ilegais, invasores de terras indígenas, contrabandistas de madeira e de metais preciosos, predadores e destruidores da floresta. Aquela é uma terra de ninguém onde se formou um Estado paralelo na ausência do Estado oficial.

Só em 2020, segundo a Controladoria-geral da União, registrou-se 41 casos de afastamento e aposentadorias de servidores de órgãos ambientais. No primeiro trimestre deste ano, a Amazônia perdeu 941 km2 de cobertura vegetal, batendo o recorde de 797 km2 nos primeiros três meses de 2020. O desmatamento se aproxima do ponto a partir do qual a floresta não conseguirá mais se regenerar.

É o que do alto se vê. Ao rés-do-chão, a realidade atroz de uma população abandonada às margens da maior bacia hidrográfica do planeta ou escondida sob a copa das árvores só chama a atenção do mundo quando algo de tão brutal acontece. Esse foi, infelizmente, o último serviço prestado por Pereira e Phillips à Amazônia, a mais contundente denúncia que eles poderiam ter feito.

Os militares proclamam há décadas que a Amazônia é nossa e que outros países querem tomá-la. Para as dimensões da região, a presença militar, ali, é mínima e quase inócua. O Comando Militar da Amazônia é um posto de passagem para oficiais que mais tarde são promovidos e vão servir em outros locais. Exército, Marinha e Aeronáutica são forças essencialmente litorâneas há séculos.

Quem de fato conhece a Amazônia são seus habitantes, entre eles os índios, os pastores evangélicos e os padres cuja única arma é a palavra. Em outubro de 2019, primeiro ano do desgoverno Bolsonaro, ao abrir no Vaticano o Sínodo da Amazônia, o Papa Francisco alertou para a “perigosa situação” da região e disse que a emergência ambiental está “intimamente ligada à crise social”.

Bolsonaro e os bolsonaristas detestaram a iniciativa e a fala do Papa. Francisco foi acusado de ser comunista. Há poucas semanas, Francisco promoveu a cardeal o atual arcebispo de Manaus, dom Leonardo Ulrich Steiner, ex-bispo auxiliar de Brasília. O cardeal da floresta dará muito trabalho aos indiferentes ao que se passa na Amazônia e aos que só querem se apoderar das suas riquezas.

Ricardo Noblat é Jornalista

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