Opinião

Os sabujos

Não há Nunes Marques ou qualquer outro capacho que salve o desgoverno Bolsonaro 

Quinta-feira, 2 de junho: o ministro Kassio Nunes Marques suspende, monocraticamente, a cassação de dois deputados bolsonaristas, peitando decisões colegiadas do TSE. À noite, na sua live semanal, Jair Bolsonaro comemora a liminar dada pelo afilhado, volta a atacar as urnas eletrônicas e as cortes superiores. Sexta-feira, 3: o presidente desembarca no Paraná, domicílio do deputado estadual beneficiado Francisco Francischini (União Brasil), monta mais um palanque e renova ameaças ao TSE: “Vai cassar o meu registro? Duvido que tenha coragem de cassar o meu registro”. O PGR Augusto Aras se faz de morto. E, na velocidade da luz, o presidente da Câmara, Arthur Lira, reempossa Valdevan Noventa (PL-SE).

Mesmo bandeiroso e primário, o script funcionou, como muitos que Bolsonaro arma.

Todos os envolvidos sabem que as liminares serão derrubadas, que Francischini voltará a perder o mandato, que Noventa não manterá seu assento na Câmara. Mas o movimento coordenado cumpre outros objetivos: minar a credibilidade da Justiça e a coesão do STF no combate às fake news disseminadas via redes sociais – essenciais na campanha de reeleição. E, mais importante, tumultuar.

A liminar de 60 páginas de Nunes Marques para o caso Francischini parece ter sido elaborada pela equipe de Bolsonaro. Tenta excluir as redes sociais dos meios de comunicação, o que impediria conferir a elas o mesmo tratamento punitivo dado aos atos ilegais cometidos na tevê, rádio, jornais e revistas, além de criar um esquisito nexo temporal para os crimes eleitorais de abuso do poder econômico e veiculação de mentiras. Sem, é claro, levar em conta que pagar de forma ilícita, mentir e enxovalhar o outro ou uma instituição, seja no papel, na televisão ou no rádio, são crimes. Mesmo antes da internet.

O teatro protagonizado pelo ministro bajulador servirá para Bolsonaro questionar a “tipificação para fake news” – como se mentira precisasse de ser qualificada -, e incrementar o seu discurso contra o TSE e o STF, alvos que ele pretende que sua turba enfrente, até com armas de fogo – “em defesa da pátria” -, se o resultado eleitoral não lhe sorrir.

Não há surpresa nem novidade no método bolsonarista. Na maioria das vezes, os acertos são feitos como tergiversação, para desviar os holofotes de desconfortos envolvendo o chefe e a primeira família. Os fiéis aliados do Centrão, bem nutridos com cargos e orçamento secreto, são usados para atiçar pautas de costumes ou “jabutis” escandalosos quando os frangalhos da economia ganham a atenção do público. Tudo massivamente exposto nas redes sociais. Não raro, tem-se um combinado múltiplo para disfarçar insucessos contínuos do governo e esconder estranhas transações, como a mansão de R$ 6 milhões filho Flávio, também enrolado com rachadinhas.

O esforço e a dedicação do presidente para manter azeitada essa máquina de campanha e de autoproteção são espetaculares. E esse é o ponto. Quando se trata do país, sua inoperância, inapetência e desídia são gigantescas. Tamanha, que aliados próximos mostram preocupação com a pecha de preguiçoso, “do cara sempre de camiseta e sandálias”, que anda de jetski e motocicleta, passeia muito e não trabalha.

O problema adicional para o presidente é que a tática diversionista só tem funcionado pontualmente, sem apresentar resultados em sua aprovação. Muito menos em fazer recuar a altíssima rejeição, consolidada acima de 50% – 54% segundo o último Datafolha.

Sob pressão, com o país mergulhado cada vez mais na inflação, na fome e na miséria, Bolsonaro tem repetido o batido esquema com exaustiva frequência, colocando-o a perder. Para além dos seus fanáticos – e até eles já devem estar cansados -, a cantilena anti-STF, fraude nas urnas, povo armado não será escravizado, tem tido baixo retorno. Na última parte do bordão, com adesão negativa: mais de 70% dos brasileiros são contra armas de fogo nas mãos de civis.

Sem alternativa, ele continuará insistindo no mesmo método, certamente recrudescendo no estímulo aos tumultos. Mas uma coisa é certa: não há Nunes Marques ou qualquer outro capacho que salve esse desgoverno.

Mary Zaidan é jornalista 

 

 

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