Por Pedro Pereira Campos

O Presidente da República, em dia dedicado ao Mártir da Independência, silenciando-se quanto ao fato histórico de tamanha relevância, optou por surpreender a Nação com o seu pronunciamento, confuso e equivocado, anunciando ¨INDULTO ou GRAÇA¨, ao seu companheiro de insultos, desrespeitos e ameaças às Autoridades e aos Poderes Legislativo e Judiciário.

Diga-se de passagem, até mesmo no dito pronunciamento insiste em se referir a um Ministro do STF, ironicamente como “Sr. Alexandre de Moraes”, faz expressa referência ao artigo 344 do Código Penal, que descreve exatamente a conduta criminosa do agraciado, faz clara referência à concessão do beneficio quando “moralmente cabível” e ainda se contradiz quando lista entre os considerandos do Decreto, como se estivesse “zelando pelo interesse público” uma vez que “a sociedade encontra-se em legítima comoção”-(sic).

Confuso, sem conhecer a matéria e sem se socorrer dos seus assessores, regiamente pagos pelo contribuinte, acanhado, incomodado e repita-se, sem saber exatamente como justificar o injustificável, anunciou que estaria concedendo, ora INDULTO, ora GRAÇA. Melhor seria buscar demonstrar a clara distinção entre ANISTIA, GRAÇA, INDULTO e COMUTAÇÃO.

Da anistia, pouco a se falar neste momento, porque se trata de instituto que requer tramitação e aprovação pelo Congresso Nacional, tradicionalmente manejada em relação a crimes políticos, decorre sempre de uma Lei Federal e extingue totalmente a punibilidade e os efeitos secundários da condenação. Tem previsão insculpida no artigo 48, VIII da Constituição. Comutação, também não requer comentário, porquanto se trata de alteração da pena já definitiva, sempre em benefício do condenado, o que não é a situação enfrentada pelo desobediente Daniel Silveira.

Passaremos, pois, a falar da GRAÇA e INDULTO. São institutos parelhos, distinguindo-se, entretanto, no alcance, já que o Indulto, tradicionalmente concedido às vésperas do natal, mediante determinadas e expressas condições lançadas no Decreto Presidencial, alcança indistintamente, todos os condenados que satisfaçam tais requisitos, e pode ser concedido, total ou parcialmente, porém, jamais para um só indivíduo. A GRAÇA, por sua vez, configura-se um indulto individual, como está sendo noticiado e neste caso Daniel, dirigido única, exclusiva e moralmente incorreto ao beneficiário em comento.

Encontra-se melhor definida no artigo 734 do Código de Processo Penal, notadamente quanto a individualidade. Em regra depende de provocação do condenado através de petição e, neste particular a petição deverá ser instruída com documentos-(art. 735 do CPP). Em regra, também, não se vislumbra uma ação relâmpago, como ocorreu no caso Daniel Silveira, que não se aguardou, sequer, a certificação do trânsito em julgado e que, em tese, ainda recorrível a decisão do STF, embora nos estreitos limites dos embargos de declaração.

Não se nega que o artigo 734 em comento, ressalva ao presidente da república a faculdade de conceder anistia espontaneamente, mas coloca essa faculdade ao final do caput e depois de passar por todos os órgãos que, tal como o condenado, tem legitimidade para provocar o pedido de graça, repita-se em relação a um único apenado, são eles: qualquer pessoa do povo-(evidentemente com capacitação legal para assim agir), o Conselho Penitenciário ou o Ministério Público.

Oportuno lembrar que a “GRAÇA”, em nosso ordenamento jurídico, historicamente, guarda relação com o “pedido de clemência” que o súdito dirigia ao Monarca. Atenta leitura do artigo 736 do CPP deixa evidente que o instituto é reservado ao condenado que se acha em cumprimento de pena, pois tem como requisitos procedimentais e anteriores à sua concessão, a manifestação do diretor do estabelecimento penal a que estiver recolhido o condenado, relatório, com narração do fato criminoso, exame de provas e dos antecedentes e ainda o seu procedimento depois de preso.

Ademais, não é o Presidente da República, com mero anúncio à Nação e assinatura de Decreto quem vai extinguir a pena e sim, na esteira do artigo 738 do mencionado CPP, o Órgão Jurisdicional, após juntada nos Autos da Cópia do Decreto. Resta claro e induvidoso, pois, que o presidente agiu, apressada, equivocada e imprudentemente, com a clara e única intenção de proteger o seu teimoso aliado político, ainda que sob o ponto de vista do direito, tenha ele cometido crimes do notório conhecimento público, desrespeitado e agredido às Instituições e Autoridades, confundindo a sua conduta como inviolável em razão do mandato, quando em verdade o que ela representa e exatamente configura é a falta de decoro parlamentar.

Mas o que IMPORTA e em que RESULTA tudo isso?
É o que pretendemos esclarecer:
1. A graça só extingue o efeito principal do crime-(a pena), já os efeitos secundários e os efeitos de natureza civil permanecem íntegros;
2. O ainda réu e agora condenado Daniel Silveira, embora e se efetivamente beneficiado com a Graça, se cometer novo crime e for condenado, será considerado reincidente, lembrando aos menos avisados, que o presidente não tem poderes para inocentá-lo, e tão somente, quando cabível, nas situações excepcionais e relevantes postas na Constituição e na Lei, extingue a pena;
3. A graça presidencial, pela forma açodada como foi concedida poderá ser questionada no foro competente, e este, outro não é, senão o próprio SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

(*) Pedro Pereira Campos Filho é advogado e magistrado aposentado.