Do leitor

PERIPÉCIAS DA MINHA INFÂNCIA

Fábio Porchat é um comediante brasileiro de uma perspicácia ímpar. Um dos quadros que ele criou há algum tempo, denominado “Que história é essa?”, é simplesmente incrível, divertido e inesgotável. Afinal, todo mundo já passou por experiências únicas, hilárias, que vale a pena compartilhar.

Nessa oportunidade, aproveitando-me da ideia de Porchat, compartilho duas de minhas experiências que, penso, outras pessoas da minha idade (68) já podem ter vivenciado algo parecido ou, no mínimo, vão se divertir com minhas peripécias.

A primeira delas, tem a ver com meu desejo de fugir de casa. Tinha lá meus cinco ou seis anos de idade e era bastante inconformada com as regras impostas pelo meu pai. Eu as considerava duras demais. Daí resolvi que a saída era fugir com os ciganos. Assim que um grupo deles acamparam na cidade eu logo me “enturmei” e quando levantaram acampamento lá estava eu na camionete deles prontinha para ir embora. Claro que não seu certo! Meu pai era muito conhecido na cidade e me devolveram… um mês de castigo!

Mas eu não sosseguei. Pensei que com circo seria mais fácil e repeti todo o processo. O final? Foi o mesmo. Mais um mês de castigo! Mas tem uma coisa, não desisti não!

Arrumei uma trouxinha de roupa, amarrei no cabo de uma vassoura (como nos desenhos) e fui pedir abrigo na casa da vizinha de frente da minha casa. Eu já ficava por lá sempre mesmo. Também me devolveram. Mas que droga, pensei!

Ah! A questão era ser independente. Então, resolvi arrumar um emprego. Onde? Na outra vizinha, um pouco abaixo da minha casa, que fazia empadas para vender. Pedi emprego com pouso. Imagina!

Só para esclarecer, além de vizinhos, o esposo dela era inspetor de menores!! Deu ruim de novo! Daí eu sosseguei com essa história de fugir de casa!

A outra experiência foi um pouco mais arrojada, perigosa até. Na minha cidade tinha um bairro razoavelmente distante do centro em que por causa de enxurradas, havia formado um grande buraco. Era conhecido como “buracão”. Para crianças da minha idade, entre 7 e 8 anos, era enorme e muito fundo. Muitas crianças da periferia brincavam por lá, mas eu era proibida pelos meus pais. Mas, é, claro que, se era proibido, eu queria conhecer de perto!

Certo dia, convenci uma colega de estudos para irmos até lá. Já era final de tarde. Fiquei encantada com as crianças escorregando barranco abaixo e me joguei com tudo. Acontece que não consegui mais voltar! Minha colega, assustadíssima, correu para casa e não contou para ninguém que eu estava lá. Não queria se comprometer.

Quanto a mim, como não conseguia subir até à borda de novo, continuei subindo até onde dava e voltava escorregando. A terra era vermelha e eu já estava parecendo um tijolo. Mas, daí, começou a escurecer, as outras crianças que estavam por ali, de repente, sumiram, sem que eu soubesse por onde saíram daquele buraco. E eu ali… presa… Comecei a ficar apavorada. Pensei: pronto, agora meu pai vai descobrir que vim brincar no buracão. Tô perdida. Um mês de castigo vai ser pouco. Isso se eu sair viva daqui. Sim, porque nessas alturas eu já achava que quanto mais tarde, mais escuro e… daí… monstros começariam a sair das pequenas cavernas que eu, até então, passava escorregando pra lá e pra cá.

Ouvi vozes na rua acima… achei melhor gritar e enfrentar o meu pai do que os monstros. Tive sorte. Escutaram meus gritos e jogaram uma corda para que eu pudesse subir. Não é que era um dos pedreiros que já havia trabalhado para o meu pai? Claro que ele me levou para casa. Quando meus pais, que já estavam apavorados com o meu sumiço me viram toda vermelha daquele jeito, acho que, a princípio, pensaram que era sangue e se puseram a chorar. Mas, assim que tudo foi esclarecido … a coisa ficou feia para o meu lado. Dois meses de castigo. Mas aprendi a lição, nunca mais fui brincar no buracão!

Gostoso lembrar destas experiências. Tive uma infância boa, entre fugas frustradas e brincadeiras em lugares proibidos, curti muito! Penso que isso contribuiu para que eu me tornasse uma adulta bem humorada e feliz, independentemente, das circunstâncias.

(*) Wilse Arena da Costa, Profa. Doutora em Educação. Palestrante, Escritora e Membro Fundadora da Academia Rondonopolitana de Letras/MT, Cadeira n° 10. Contato: wilsearena@hotmail.com

 

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