Opinião

Não há motivo pra mimimi

O pai achou bom o corte da bolsa da filha, afinal a menina precisava aprender a trabalhar desde cedo e não ficar viajando pelo mundo lendo livro cheio de palavras.
A professora achou muito bom a ampliação das escolas militares, pois já estava cansada de ter que aguentar falta de educação em sala de aula e não poder passar um corretivo como antigamente.
A mãe achou excelente a reforma trabalhista, pois agora o filho pode trabalhar de entregador de comida e saber o valor de cuidar do “próprio negócio”. Pra mãe, o fato de o filho não usar equipamento de proteção individual, de trabalhar com a bike do Itaú pra um aplicativo sem conhecer o patrão é só uma forma do moleque aprender como a vida é (e deve ser) dura.
O avô está orgulhoso do neto que conseguiu um financiamento pra comprar um carro e trabalhar de Uber e acha uma frescura essa história de o neto não ter segurança no emprego para ter certeza de que vai conseguir quitar o financiamento. Na época dele ninguém sabia se a safra seria suficiente ou não.
A tia solteira está de pleno acordo com a reforma da previdência e não vê problema na queda do número de empregos formais pra mulheres. Ela sempre ouviu que mulher tem que pilotar fogão. Se agora a mulher pode pilotar Uber e Ifood, não há motivo pra mimimi.
A moça bonita do laço de fita que trabalha numa multinacional com sede numa social democracia e que recebe um excelente salário e que acha lindíssima a política de igualdade salarial entre cargos e entre homens e mulheres, não consegue transpor sua experiência pessoal para a realidade do país onde nasceu. Vive esbravejando palavras de ordem e apoio à meritocracia e a aos abusos institucionais. Considera sua depressão mais consequência do comunismo do que de sua alienação existencial.
O moço bonito do cavalo branco, que entrou na faculdade e já reprovou em três disciplinas, posta textos longuíssimos sobre como a meritocracia e o trabalho duro do pai permitiu a ele uma vida livre do bolsa família. Considera suas reprovações culpa exclusiva do professor que abusa da autoridade ao exigir a leitura de textos escritos ao invés de miniaulas do youtube.
E assim a história de um povo miserável vai se consolidando, vai sendo escrita nas páginas rotas de uma democracia malformada e o sonho pop de uma vida melhor no futuro, de gente fina, elegante e sincera, vai sendo substituído por um pesadelo realista de uma festa pobre que os homens armaram para nos convencer a pagar sem ver toda essa droga que já vem malhada antes de eu nascer.”


Pedro Pulzatto Peruzzo – Professor Titular Categoria A1 da PUC-Campinas. Membro do corpo docente permanente do Programa de Pós-Graduação stricto …

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