Opinião

1964 – O ano que ainda não terminou

Golpe ou revolução? Revolução ou golpe? Afinal, o que aconteceu naquele 31 de março de 1964 depois que as tropas de general Mourão Filho saíram das montanhas de Minas rumo ao Rio de Janeiro, que era o centro da ebulição comunista? Resumiria assim: os desdobramentos dos fatos, sem um tiro sequer disparado no primeiro momento, mudaram o curso da história brasileira. Porém, sei que essa resposta seca não agradaria ao viuvato do comunismo. Daí, tento dar nomes aos bois.

No ano de 1964, o mundo estava polarizado. De um lado os Estados Unidos com seus mísseis apontados para Moscou. Do outro a recíproca era verdadeira. Comunismo e capitalismo conviviam em meio ao que se chamava Guerra Fria.

A Europa estava definida geopoliticamente. A União Soviética dominava o Leste Europeu com a chamada Cortina de Ferro. O restante do Velho Continente se dobrava a Washington e não o fazia por mera afinidade ideológica, mas porque ainda carregava na pele as marcas da II Guerra Mundial, na qual os americanos foram decisivos para a libertação dos europeus.

Continuando em 1964 a Austrália era pouco mais que uma possessão britânica protegida pelas armas nucleares da Rainha, e o mesmo se aplicava aos neozelandeses. A China era um gigante enamorado com o Kremlin. Índia e Paquistão eram territórios de incerteza pelo fundamentalismo que também sempre caracterizou árabes e seus vizinhos de outras origens, mas muçulmanos.

Alguns anos antes de 1964.

Nesse contexto soviéticos e americanos  tinham os olhos voltados ao Brasil.

Na mira dos interesses internacionais o Brasil era cenário de uma política ideológica de mão única: a esquerda. Isso mesmo! Somente os comunistas pensavam enquanto políticos na acepção da palavra. A direita era um agrupado de figuras gravitando no entorno da UDN, partido que defendia interesses politiqueiros, mas não tinha visão no macro, para pensar o país enquanto Estado livre e soberano. Nesse meio, o maior vulto nacional: JK. Porém, o construtor de Brasília acabara de ser derrotado na tentativa de fazer seu sucessor o marechal Henrique Teixeira Lott, e o presidente Jânio Quadros vencedor da eleição, em seu delírio no poder, tratou de minar o PSD de JK.

No Brasil litorâneo do começo dos anos 1960 e com baixa densidade demográfica Minas adentro, a esquerda ganhava força na penumbra para golpear as instituições. Jovens tupiniquins seguiam para Havana, Tirana, Varsóvia ou Moscou para aprenderem táticas de guerrilha e receberem doutrinação. Esse pessoal retornava afiado e se mantinha na penumbra.

As Forças Armadas a tudo observavam em silêncio.

Uma sucessão de fatos políticos e a entrada em cena de grupos organizados de esquerda acenderam as luzes nos quartéis,  escolas, empresas, igrejas, famílias. Em meados de 1963, o italiano João Pinheiro Neto foi nomeado presidente da Superintendência da Política Agrária (Supra), órgão vinculado ao Ministério da Agricultura. Pouco depois foi a Governador Valadares (MG) e num inflamado pronunciamento para campesinos – assim ele se referia ao trabalhador rural – lançou o bordão “Reforma agrária na lei ou na marra“. Esse bordão foi adotado pelo presidente Jango, que havia assumido o cargo com a renúncia do titular Jânio; por Miguel Arraes; e por Francisco Julião.


No Brasil despovoado e sem grandes metrópoles, o que mais sobrava era terra. Bastava uma política agrária que assegurasse uma parcela a quem se interessasse e não haveria razão para a chamada luta pela posse da terra – mas eles teimavam em desafiar o velho, bom e verdadeiro princípio da lei de Newton “dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo!”. Porém, o discurso da esquerda era de ódio, de fomentar a luta de classes sociais para enfraquecer o país, o que facilitaria sua chegada ao poder. Pela luta armada os comunistas poderiam solapar as instituições e, com apoio internacional dar um golpe de estado.

À época, grandes emissoras de rádios nas principais capitais pregavam a cubanização do Brasil, apresentando Fidel Castro e Che Guevara na condição de heróis dos oprimidos. Jornais montados em cidades estratégicas levavam mensagens comunistas e ainda imprimiam panfletagem ideológica.

MOURÃO NOVAMENTE – Quando as tropas do general Mourão  Filho chegaram ao Rio, o Brasil mesmo com a limitação da comunicação à época, vibrava. O povo queria se ver livre não somente de Jango, mas das ideais que ele propagava. Os governadores Magalhães Pinto (Minas), Carlos Lacerda (Guanabara) e Ademar de Barros (São Paulo) avalizaram politicamente o movimento militar;

 No alvorecer de abril, nas ruas o povo celebrava a vitória sobre o comunismo. Os quartéis das três Forças unificaram o posicionamento. Estava decretado o fim de Jango e da ameaça comunista. na sequência tropas do 16º Batalhão de Caçadores de Cuiabá sob o comando do coronel Meira Mattos ocuparam o Palácio do Planalto.

Castello com Lacerda (esq.) e Geisel, que mais tarde seria presidente
Castello com Lacerda (esq.) e Geisel, que mais tarde seria presidente

Decretou-se a vacância da Presidência. Jango estava no Uruguai. Pelo Congresso o marechal Castello Brancofoi eleito presidente, como determinava a Constituição vigente antes de 1964. O Dr. Ulysses Guimarães – símbolo da democracia – votou em Castello Branco.

Os militares estiveram no poder até 1985 quando o Colégio Eleitoral elegeu Tancredo Neves, que morreu antes da posse e a Presidência foi ocupada por José Sarney. No período, o país desenvolveu-se. Não se pode negar que houve derramamento de sangue quando o Brasil era governado por generais.

A estrutura comunista foi derrotada em 1964 com o desmanche do poder político de esquerda, mas as células comunistas continuaram a agir, matando, assaltando agências bancárias, sequestrando diplomatas e com a guerrilha do Araguaia. Não se tratava de baile de debutantes. Os confrontos eram reais. Uma anistia ampla, geral e irrestrita supervisionada internacionalmente cessou oficialmente as hostilidades.


Ex-guerrilheiros saíram da clandestinidade e das celas onde estavam presos. Foi assim com Dilma Rousseff e com Gilney Viana, que foi deputado estadual e deputado federal por Mato Grosso.

Aquele período foi decisivo para a geopolítica mundial. Felizmente o Brasil e outras nações do continente optaram pelo lado correto. À época havia intercâmbio guerrilheiro e militar. A Operação Condor (ou Carcará) que unificava e compartilhava ações de militares no Cone Sul foi real em certa parte. O mesmo se aplica à esquerda. De Mato Grosso, a jovem Jane Vanini foi para o Chile e pegou em armas contra o general Augusto Pinochet. Morreu crivada de balas em confronto. A esquerda não aceita tal fato e a vê enquanto heroína da causa democrática, como se a mesma tivesse tombado no seu e não em outro país. Tanto é verdade, que o campus da Universidade do Estado (Unemat) em Cáceres leva seu nome.


A história real de 1964 não é contada.

Apenas sua versão chega ao leitor. Escrita por perdedores, as páginas daquele tempo são carregadas de revanchismo, de mentiras, de ódioNenhum enfrentamento nacional é uma luta entre anjos e demônios. Nenhum governo consegue se ver livre de erros. Infelizmente fatos isolados de corrupção podem macular todos os governantes nacionais, ainda que eles mesmos não tenham participado dos mesmos.

É possível olhar para o passado é ver sangue. Sangue de esquerda e da direita. Sangue de brasileiros. Em meio ao enfrentamento armado, principalmente quando apimentado por fundamentalismo ou ideologia, o ódio aflora. Na padaria se perde trigo, o alimento sagrado. Na luta armada se perde vida, que é o sopro do Criador. O primeiro, por distração ou erro profissional; a outra em defesa da própria existência e até mesmo pela fragilidade humana nos momentos de maior tensão.

Observo em Mato Grosso formadores de opinião desancando o regime de 1964. Alguns deles são filhos de ex-políticos da Aliança Renovadora Nacional (Arena) que dava sustentação aos militares. Criticam da porta da casa para fora, pois do lado de dentro o fantasma da memória paterna incomoda sua consciência. Também noto a facilidade encontrada por tantos para se tornarem aptos ao recebimento de compensação financeira do governo por terem sido vítimas da ditadura. Vergonhosa essa situação.

Avalio que 1964 passou, mas que não é página virada. A viuvez do Kremlin insiste no retrocesso e não quer o Brasil livre e soberano. Não pensem que se trata de pensamentos quase no singular. Uma legião insiste em desqualificar o regime militar para encontrar bandeira que sustente sua pregação. Que os militares fiquem atentos e que não hesitem se tiverem que repetir o que fizeram há 55 anos quando o país estava com um pé no céu e outro no inferno.

Tenho consciência que 1964 tolheu garantias individuais e coletivas, que retirou o direito do cidadão eleger parte de seus representantes. Isso é fato. Fato verdadeiro. Porém, àquela época, para afastar o risco do comunismo tais medidas foram necessárias. Hoje, o quadro é ainda pior. Restam figuras retrógadas que se espelham na Ilha dos Castro, na Coreia do Norte, na viuvez do Kremlin e na frieza do regime chinês Além deles há uma casta nos poderes, que solapa a economia nacional com os benefícios absurdos de suas remunerações, com mamatas as mais diversas e com a corrupção que teima em sobreviver em episódios amargos iguais ao de Rocha Loures correndo com uma mala recheada com meio milhão de reais e o prefeito Emanuel Pinheiro (de Cuiabá) deixando cair dinheiro do bolso abarrotado de seu paletó. Mais: um voraz sindicalismo pautado no peleguismo e na Lei de Gérson ofende a classe trabalhadora. Tomara que democraticamente encontremos o fio da meada para o Brasil se ver livre dessa situação, sob pena de refazermos o caminho de Mourão Filho.

Que o 31 de março seja comemorado nos quartéis e nas ruas por todos os cidadãos livres nessa abençoada terra ensolarada onde nenhuma mordaça, quer seja do Ministério Público Federal ou não, tolha o direito de se reverenciar o dia em que o Brasil fez a opção certa e que tenha em mente – diante do desmoronamento da instituições políticas – que O preço da liberdade é a eterna vigilância, como nos ensinou o brigadeiro Eduardo Gomes, pois 1964, ao que tudo indica, é um ano que ainda não terminou.

Eduardo Gomes – editor de boamidia

boamidia2017@gmail.com

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